Quem é o meu próximo? | Dom Lucas Henrique Lorscheider

 


Liturgia Diária
Segunda-feira 27ª Semana do T. Comum


Queridos irmãos e irmãs em Cristo, hoje somos convidados pela Liturgia a mergulhar profundamente no mistério do amor misericordioso de Deus, que chama e envia, mas que também corrige, e que, sobretudo, quer conduzir toda a humanidade à salvação. As leituras desta liturgia colocam-nos diante de duas figuras centrais: Jonas, o profeta relutante que tenta fugir do chamado divino, e Jesus, que nos apresenta a parábola do Bom Samaritano, ensinando-nos que a verdadeira fidelidade a Deus se manifesta na misericórdia concreta.

A Palavra de Deus, proclamada nesta liturgia, é exigente. Ela desinstala, porque nos chama a sair das nossas zonas de conforto, a renunciar ao egoísmo e a assumir o risco do amor. Hoje, somos convidados a refletir sobre a missão evangelizadora da Igreja, sobre o nosso chamado pessoal e, sobretudo, sobre como viver a misericórdia no mundo marcado por tantas divisões, conflitos e indiferenças.

O livro de Jonas não é apenas um relato de um profeta desobediente que tenta fugir da missão. É, na verdade, uma parábola sobre o coração humano e sobre o coração de Deus. Deus ordena a Jonas: “Levanta-te, vai à grande cidade de Nínive e anuncia a mensagem que Eu te digo” (Jn 1,2). Mas Jonas, ao ouvir esse chamado, prefere fugir. Em vez de ir para o leste, na direção de Nínive, embarca num navio rumo a Társis, o extremo oposto.

Jonas simboliza o crente que deseja um Deus feito à sua imagem, um Deus que castiga os inimigos e recompensa os justos. Mas o Deus de Israel, revelado neste relato, é um Deus misericordioso, que não quer a morte do pecador, mas a sua conversão (cf. Ez 33,11).

A tempestade no mar representa a resistência que encontramos quando nos afastamos do caminho de Deus. Ao tentar fugir da missão, Jonas se depara com a realidade de que a vida do discípulo não lhe pertence. O profeta é lançado ao mar, e, na sua oração no ventre do grande peixe (cf. Jn 2,2-8), compreende que não há fuga possível da presença divina: Deus está no céu, na terra, e até nas profundezas do abismo.

O arrependimento de Jonas dentro do peixe mostra que a misericórdia de Deus começa na correção. O profeta é salvo não por seus méritos, mas porque Deus é fiel. A sua missão é reconduzida não pela força, mas pela graça.

O cântico de Jonas, que a liturgia nos propõe como salmo, é um hino de confiança no Senhor que liberta: “Na minha angústia invoquei o Senhor, e Ele me atendeu” (Jn 2,3). O salmo revela que, mesmo quando nos encontramos no mais profundo dos nossos abismos, podemos levantar os olhos e clamar ao Deus que salva.

Esta oração é particularmente atual. Em um mundo ferido por guerras, injustiças e pela falta de sentido, muitos homens e mulheres se encontram “no ventre do peixe”, na escuridão do desespero. Mas o Senhor ouve o clamor do coração contrito e renova as forças dos que se voltam para Ele.

A espiritualidade cristã, desde os primeiros séculos, viu neste episódio um símbolo do mistério pascal: Jonas no ventre do peixe prefigura Cristo no sepulcro, e a sua libertação ao terceiro dia antecipa a vitória da Ressurreição. Assim, cada vez que clamamos ao Senhor, renascemos com Cristo para uma vida nova.

No Evangelho (Lc 10,25-37), Jesus é interpelado por um mestre da Lei: “Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?” A pergunta, que poderia ser apenas teórica, toca o coração de toda a vida cristã. Jesus não oferece uma lista de normas, mas o convida a mergulhar na própria Escritura: “O que está escrito na Lei? Como lês?”

O mestre responde com o grande mandamento: amar a Deus de todo o coração, de toda a alma, com todas as forças e amar o próximo como a si mesmo (cf. Dt 6,5; Lv 19,18). Jesus confirma: “Faze isso e viverás”. Mas o doutor da Lei quer justificar-se e pergunta: “E quem é o meu próximo?”

É então que Jesus conta a parábola do Bom Samaritano. Um homem é assaltado e deixado à beira da estrada. Um sacerdote e um levita passam e não se detêm. Mas um samaritano, estrangeiro e desprezado pelos judeus, é movido de compaixão: aproxima-se, cuida das feridas e garante que o homem seja assistido.

A pergunta de Jesus ao final é decisiva: “Qual dos três foi o próximo daquele homem?” Não se trata de perguntar quem é digno do meu amor, mas de tornar-me próximo de qualquer pessoa que sofre. O amor ao próximo é dinâmico, ultrapassa barreiras culturais, religiosas e sociais.

A parábola mostra que a verdadeira fidelidade à Lei de Deus não é apenas formal ou ritual, mas se concretiza na misericórdia. O sacerdote e o levita conheciam a Lei, mas deixaram de cumprir o seu espírito. O samaritano, que era considerado herético, revela-se verdadeiro intérprete da vontade de Deus, porque age com amor.

Jesus, portanto, nos ensina que a vida eterna não é fruto de observâncias exteriores, mas nasce de um coração que se deixa mover pelo amor. Ele próprio é o Bom Samaritano por excelência: inclina-se sobre a humanidade ferida pelo pecado, cura-nos com o óleo e o vinho dos sacramentos, e confia-nos à hospedaria da Igreja até a sua volta gloriosa.

O mundo contemporâneo, marcado pela indiferença e pela exclusão, exige que a Igreja continue a ser sinal do Bom Samaritano. A missão não é apenas pregar com palavras, mas com gestos concretos de proximidade.

Vivemos tempos em que muitos preferem fugir do chamado de Deus, como Jonas. Fugimos quando nos acomodamos no individualismo, quando nos omitimos diante das injustiças, quando fechamos os olhos para os pobres, os migrantes, as vítimas da violência.

A Palavra de hoje nos convida a converter o coração: como Jonas, somos chamados a anunciar a misericórdia de Deus até mesmo àqueles que consideramos distantes ou inimigos. E como o Bom Samaritano, devemos aproximar-nos das feridas do mundo com compaixão.

Ser misericordioso não é um ideal abstrato, mas um caminho concreto. Podemos aplicar a parábola do Bom Samaritano nas nossas famílias, no trabalho, na comunidade paroquial. Quantas vezes encontramos “caídos à beira do caminho”: pessoas feridas pela solidão, pela depressão, pela falta de sentido.

A caridade cristã exige olhar para cada pessoa com o coração de Cristo. Isso significa ultrapassar barreiras de preconceito, de classe, de religião. Significa também lutar contra as estruturas de pecado que geram desigualdade, violência e descaso.

A figura de Jonas lembra-nos que a missão não é escolha pessoal, mas resposta ao chamado de Deus. O Papa Francisco insiste numa “Igreja em saída”, que vai às periferias existenciais. Não podemos ficar encerrados em nós mesmos, como Jonas tentou fazer.

A missão é um imperativo do amor. Não basta compadecer-se, é preciso agir. O discípulo missionário é aquele que, tendo experimentado a misericórdia de Deus, torna-se testemunha dela.

Queridos irmãos e irmãs, a liturgia de hoje nos recorda que não podemos fugir do chamado de Deus nem do sofrimento dos irmãos. O Senhor, que salvou Jonas e nos deu Jesus como Bom Samaritano, continua a chamar cada um de nós à conversão e à missão.

A oração de Jonas, feita no ventre do peixe, é também a nossa oração: “Quando a minha vida desfalecia, lembrei-me do Senhor, e subiu a ti a minha oração” (Jn 2,8).

Que, iluminados pela Palavra, possamos reconhecer Cristo em cada irmão ferido, ser para ele presença de amor e instrumento de salvação. Que a Virgem Maria, Mãe da Misericórdia, nos ensine a dizer “sim” ao chamado de Deus.

E que, alimentados pela Eucaristia, possamos sair daqui decididos a viver a misericórdia, não apenas como um ideal, mas como estilo de vida, para que o mundo creia e tenha vida em abundância.

A Ele, que é o Deus da misericórdia e da vida, que nos chama à missão e nos sustenta na esperança, sejam dadas a glória e o louvor pelos séculos dos séculos.

Amém.

 LUCAS HENRIQUE LORSCHEIDER

Post a Comment

Postagem Anterior Próxima Postagem