Aquele que trouxe sofrimento para vós, para vós trará, com a vossa salvação, eterna alegria | Dom Lucas Henrique Lorscheider

 


Liturgia Diária
Sábado 26ª Semana do T. Comum


“Com São Francisco de Assis, alegremo-nos no Senhor que transforma as lágrimas em consolação e a humildade em verdadeira alegria.”

Amados irmãos e irmãs em Cristo,

Hoje, reunidos na presença do Senhor, celebramos a Eucaristia alimentados pela Palavra viva que ilumina nosso caminho e pela memória de São Francisco de Assis, o Pobrezinho de Cristo, cuja vida foi um Evangelho vivo. As leituras que escutamos — a comovente exortação do profeta Baruc, o salmo que expressa a confiança na salvação divina, e as palavras de Jesus aos discípulos que regressam cheios de alegria — conduzem-nos a um caminho de esperança, humildade e júbilo no Espírito Santo.

A presença de São Francisco nesta liturgia não é apenas uma lembrança histórica, mas uma luz concreta que nos ajuda a compreender e viver a mensagem proclamada. O Santo de Assis encarna de maneira admirável a atitude que a Palavra de hoje nos inspira: a confiança filial em Deus no meio das provações, a docilidade humilde diante do Evangelho e a alegria espiritual que nasce do amor.

A primeira leitura (Baruc 4,5-12.27-29) é dirigida a um povo que se sente derrotado e humilhado. O profeta, porém, não os convida à resignação, mas à esperança:

“Ânimo, meu povo, que trazeis o nome de Israel! Fostes vendidos aos pagãos, mas não para sempre; fostes entregues aos inimigos, mas por causa de Deus os provocastes.”

É uma mensagem profundamente teológica: Deus não abandona o seu povo. Mesmo quando ele permite a prova, faz isso para conduzi-lo à conversão e ao reencontro com a sua misericórdia. A dor não é sinal de rejeição definitiva, mas um chamado a redescobrir a primazia do Senhor na vida.

Aqui encontramos a primeira chave da homilia: a esperança cristã não é fuga do sofrimento, mas a certeza de que Deus age em meio à provação para gerar vida nova.

Quantas vezes, também hoje, as comunidades cristãs e os fiéis se veem desanimados, cercados por desafios: violência, injustiça, secularização, crise ecológica, divisões. A Palavra de Baruc ecoa para nós como um convite: não perder a confiança, não ceder ao desespero. A vitória pertence a Deus, e Ele reconduz ao consolo aqueles que, com coração humilde, voltam a Ele.

O salmista exclama:

“Humildes, vede isto e alegrai-vos: o vosso coração reviverá, se procurardes o Senhor.”

O salmo combina o lamento do justo perseguido com a confiança inabalável na salvação que vem do Senhor. Mostra que a verdadeira alegria não ignora as lágrimas, mas nasce de um coração que, mesmo ferido, confia plenamente em Deus.

Esse salmo reflete a experiência de muitos santos — e de modo especial a de São Francisco de Assis. Ele conheceu provações: incompreensões, pobreza extrema, doenças. Mas soube cantar a alegria perfeita porque descobriu que o tesouro mais precioso é viver como filho amado do Pai.

Na tradição franciscana, encontramos um eco desta confiança: o cântico das criaturas, entoado por Francisco já debilitado e quase cego, é prova de que o coração que confia no Senhor consegue louvar mesmo em meio às dores.

No Evangelho (Lc 10,17-24), os setenta e dois discípulos voltam cheios de alegria porque até os demônios se submetiam ao nome de Jesus. Mas o Senhor os convida a uma alegria mais profunda e duradoura:

“Alegrai-vos antes porque vossos nomes estão escritos no céu.”

Esta é uma lição essencial: os frutos da missão são motivo de júbilo, mas a fonte da verdadeira alegria não é o sucesso visível, e sim a comunhão com Deus. A vida do discípulo deve estar enraizada na certeza de ser amado pelo Pai e chamado a participar de sua glória.

Jesus louva o Pai porque revelou estas coisas “aos pequeninos”. Aqui ressoa o evangelho vivido por São Francisco: a simplicidade, a humildade, a pobreza evangélica não são sinal de fraqueza, mas abertura à graça. Deus se comunica mais facilmente aos corações humildes que não confiam nas próprias forças.

A alegria do Evangelho, portanto, é fruto do Espírito Santo. Não é euforia passageira, mas serenidade firme que brota da certeza de que, em Cristo, já participamos da vitória de Deus sobre o mal.

Celebrar São Francisco neste contexto é reconhecer nele um ícone do discípulo humilde e alegre. Sua vida ilumina a mensagem das leituras de hoje de ao menos três maneiras:

  1. Esperança na dor: Francisco soube ver nas doenças, na pobreza e até nas feridas do corpo (os estigmas) não um castigo, mas um convite a unir-se mais intimamente a Cristo pobre e crucificado.
  2. Alegria evangélica: a verdadeira alegria, dizia ele, não está nas honras, nem no sucesso, mas em suportar por amor de Cristo as dificuldades e amar o próximo.
  3. Missão humilde e fecunda: despojado de tudo, Francisco foi instrumento para renovar a Igreja, lembrando que o Evangelho se vive na simplicidade e no serviço aos irmãos.

Quando Jesus diz que o Pai revelou as coisas aos pequeninos, podemos imaginar Francisco entre eles: um homem que se fez pequeno, mas cujo testemunho continua a inspirar e a transformar o mundo.

As leituras de hoje e a memória de São Francisco nos ajudam a compreender a esperança cristã como uma virtude teologal: não é mero otimismo, mas confiança firme na promessa de Deus.

Baruc fala de um retorno ao Senhor que traz consolação; o salmo expressa a certeza de que Deus ouve o clamor dos pobres; Jesus aponta para a alegria de ter o nome escrito no céu. Francisco de Assis encarnou essa esperança, mostrando que quem confia plenamente no Pai pode viver livre, generoso e alegre, mesmo nas circunstâncias mais adversas.

Vivemos em um mundo muitas vezes marcado por desesperança: crises econômicas, conflitos, degradação ambiental, perda do sentido da vida. A fé nos convida a ser sinais de esperança, não com palavras vazias, mas com uma vida que irradia a confiança de que Deus não abandona seu povo.

A mensagem das leituras e de São Francisco é extremamente atual. Podemos destacar alguns pontos para nossa vida cristã hoje:

  • Confiança nas provações: como o povo de Baruc, também nós enfrentamos dificuldades. Não devemos ceder ao desânimo, mas recordar que Deus conduz a história.
  • Humildade e simplicidade: num mundo que valoriza o poder e o prestígio, a humildade de Francisco é um desafio profético.
  • Cuidado com a criação: Francisco, ao louvar as criaturas, recorda que somos guardiões da casa comum; a esperança cristã se concretiza também no compromisso com a justiça e com a ecologia integral.
  • Alegria missionária: os discípulos voltaram cheios de alegria; nós também somos chamados a evangelizar não com rosto triste, mas com a alegria do Evangelho, que atrai e transforma.

No centro de toda conversão, esperança e alegria está a Eucaristia. Francisco de Assis nutria uma devoção ardente à presença real de Cristo na Eucaristia e exortava os irmãos a tratarem o Santíssimo Sacramento com máxima reverência.

A Eucaristia nos recorda que não estamos sozinhos em nossas lutas. O mesmo Cristo que consolou Israel no exílio, que enviou os discípulos em missão, que inspirou Francisco, é quem se faz nosso alimento e força.

Participar da Missa é aprender a viver do amor de Cristo e a transformar o mundo à sua imagem.

Queridos irmãos e irmãs, a Palavra de Deus hoje nos convida a:

  • Reacender a esperança, mesmo nas noites da vida;
  • Acolher a alegria do Evangelho, não baseada em êxitos humanos, mas na certeza de sermos amados e salvos por Deus;
  • Imitar a humildade de São Francisco, vivendo com simplicidade, cuidado com os pobres e a criação;
  • Ser discípulos missionários, anunciando a paz e a misericórdia de Deus.

Que São Francisco interceda por nós, para que, como ele, sejamos instrumentos da paz de Cristo no mundo, cantores da esperança e testemunhas da alegria que brota do Espírito Santo.

Amém.

 LUCAS HENRIQUE LORSCHEIDER

Post a Comment

Postagem Anterior Próxima Postagem