Memória dos Santos Mártires Cornélio e Cipriano
A liturgia de hoje nos coloca diante de duas figuras luminosas da Igreja dos primeiros séculos: São Cornélio, Papa, e São Cipriano, Bispo de Cartago. Unidos não apenas pela amizade espiritual, mas pela mesma fidelidade até o martírio, eles nos recordam que a Igreja nasce e cresce do testemunho daqueles que deram a vida por Cristo.
Ao escolher para hoje leituras tão significativas — a carta Paulina, 1 Timóteo 3,1-13, que descreve as exigências do ministério eclesial; o Salmo 100, que canta a pureza do coração; e o evangelho segundo Lucas 7,11-17, que mostra Cristo como Senhor da vida e da morte —, a liturgia nos convida a unir a memória histórica dos santos com a Palavra eterna de Deus, que continua a nos formar e orientar no presente.
Antes de mergulhar nas leituras, vale recordar quem foram estes dois gigantes da fé.
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São Cornélio foi eleito Papa em 251, em um dos períodos mais conturbados da Igreja. O imperador Décio promovia uma perseguição violenta contra os cristãos, obrigando-os a oferecer sacrifícios aos deuses pagãos. Muitos fraquejaram e renegaram a fé. Depois da perseguição, surgiu um grande debate: poderiam esses “lapsi” (caídos) ser reconciliados? Cornélio, em comunhão com outros bispos, afirmou que sim: mediante penitência sincera, havia caminho de retorno. Sua postura misericordiosa foi contestada por Novaciano, que se proclamou antipapa, pregando rigorismo absoluto. Cornélio sustentou a posição da Igreja, mostrando que a misericórdia de Deus é maior que o pecado, algo que se difunde até os dias atuais.
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São Cipriano, bispo de Cartago, foi contemporâneo e aliado de Cornélio. Pastor zeloso, organizou a Igreja africana em tempos de perseguição, enfrentou divisões internas e escreveu cartas de grande importância teológica e pastoral. Em seus escritos, defendeu a unidade da Igreja e a autoridade do Papa, afirmando: “Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe” (De unitate ecclesiae).
Ambos foram martirizados: Cornélio, no exílio, em Civitavecchia (253); Cipriano, decapitado em Cartago (258). Unidos na fé, na caridade e no sangue, tornaram-se símbolo da comunhão eclesial.
São Paulo descreve a Timóteo as qualidades necessárias para bispos e diáconos. Não são requisitos de prestígio ou poder, mas de vida moral e espiritual íntegra:
- irrepreensível,
- sóbrio,
- hospitaleiro,
- pacífico,
- governando bem sua família,
- fiel à esposa,
- respeitado pelos de fora,
- firme na fé.
Essa descrição mostra que o verdadeiro ministério não se sustenta em talentos humanos, mas em virtudes cristãs.
Cornélio e Cipriano são exemplo vivo dessa palavra. Não foram bispos por ambição, mas por fidelidade. Conduziram o rebanho em tempos de crise, não buscando poder, mas servindo com coragem.
Em Cipriano vemos um bispo que enfrentou crises internas sem perder o espírito pastoral. Em Cornélio, um Papa que, em vez de endurecer, preferiu abrir caminhos de reconciliação. Ambos mostram que autoridade cristã é serviço, não dominação.
Essa palavra é urgente hoje: a Igreja precisa de ministros que sejam antes de tudo testemunhas de Cristo, não administradores burocráticos ou líderes mundanos.
O salmo responsorial traz como refrão: “Viverei na pureza do meu coração!”
A pureza de coração não significa ingenuidade, mas coerência de vida diante de Deus e dos homens. É o contrário da duplicidade, da vida dupla, tão comum em tempos de perseguição, quando muitos viviam como cristãos às escondidas e, em público, ofereciam sacrifícios aos ídolos.
Cornélio e Cipriano escolheram a pureza do coração. Não cederam à duplicidade, mas permaneceram fiéis, mesmo quando isso custou a vida.
Hoje, somos convidados a examinar nossa própria coerência. Quantas vezes vivemos uma fé fragmentada: rezamos, mas não perdoamos; vamos à Missa, mas fechamos os olhos aos pobres; falamos de justiça, mas aceitamos corrupção. O salmo nos chama a integrar a vida, a buscar a santidade não como fachada, mas como verdade interior.
O Evangelho de hoje apresenta Jesus em Naim. Ao encontrar uma viúva que sepultava seu filho único, Ele se enche de compaixão e realiza o milagre: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te!”
Aqui vemos três dimensões fundamentais:
- A compaixão de Cristo: Ele não permanece distante da dor, mas se aproxima, toca, intervém.
- O poder sobre a morte: não apenas consola, mas devolve a vida.
- A visita de Deus ao seu povo: o povo exclama: “Deus veio visitar o seu povo”.
Cornélio e Cipriano acreditaram profundamente nesse Cristo, Senhor da vida. Para eles, morrer pelo Evangelho não era tragédia, mas vitória, porque acreditavam que Aquele que ressuscitou o jovem de Naim ressuscitaria também os que Nele confiassem.
E nós? Muitas vezes, diante das mortes que nos cercam — mortes físicas, espirituais, sociais —, podemos duvidar da presença de Cristo. O Evangelho nos recorda que Ele continua sendo Senhor da vida, capaz de ressuscitar esperanças, reconstruir famílias, renovar comunidades.
Um ponto central na vida desses santos é a defesa da unidade da Igreja. Em tempos de perseguição, muitos cristãos estavam divididos: uns queriam rigidez absoluta, outros permissividade total. Cornélio e Cipriano buscaram o caminho da misericórdia unida à verdade.
Cipriano escreveu: “O vínculo da unidade não pode ser dissolvido; uma só Igreja, um só bispo, uma só cátedra”. Ele compreendeu que a Igreja não pode ser fragmentada pela intolerância, mas deve ser conduzida pelo amor.
Essa lição é atualíssima. Em nossos dias, quantas divisões internas, quantos “novacianos” que exigem perfeição absoluta e quantos outros que banalizam a misericórdia. Cornélio e Cipriano mostram que a verdadeira Igreja é misericordiosa e exigente ao mesmo tempo, fiel à verdade, mas sempre aberta à reconciliação.
O que esses santos nos ensinam em nosso tempo?
- Fidelidade na perseguição: Muitos cristãos ainda hoje sofrem perseguições abertas em várias partes do mundo. Cornélio e Cipriano nos recordam que a fidelidade vale mais que a vida.
- Unidade da Igreja: Em tempos de polarizações e divisões internas, precisamos de pastores que, como eles, saibam defender a comunhão acima de interesses pessoais.
- Misericórdia: A reconciliação dos “caídos” foi um tema central no tempo deles. Também hoje a Igreja é chamada a abrir sempre as portas da misericórdia.
- Coragem pastoral: Pastores que não têm medo de se comprometer, mesmo quando isso significa perder prestígio ou enfrentar perseguição.
- Esperança na ressurreição: Como Cristo em Naim, eles acreditaram que a morte não é a última palavra. O martírio é semente de vida para a Igreja.
O salmo nos pede pureza de coração. Essa espiritualidade não é moralismo, mas fidelidade ao Evangelho. Pureza significa coração indiviso, centrado em Deus.
Cornélio, diante de pressões políticas, não dividiu o coração. Cipriano, diante das ameaças, não recuou. Ambos escolheram viver e morrer com Cristo.
Para nós, pureza significa:
- Viver a fé de modo íntegro, sem negociar valores cristãos;
- Resistir à tentação da corrupção, da mentira, da vaidade;
- Buscar coerência entre fé e vida.
O Evangelho mostra a compaixão de Cristo. Cornélio e Cipriano também foram homens de compaixão: Cornélio, acolhendo os que haviam caído; Cipriano, cuidando dos pobres e doentes em Cartago, especialmente durante a peste.
Essa compaixão não era sentimentalismo, mas ação concreta: reconciliação, caridade, martírio.
Hoje, viver a compaixão é a missão da Igreja: aproximar-se das viúvas de Naim que choram seus filhos — famílias destruídas, jovens sem rumo, pobres sem esperança. A Igreja não pode ser indiferente, deve ser sinal da visita de Deus.
A liturgia de hoje nos apresenta um caminho:
- A 1° carta a Timóteo nos lembra que o ministério é serviço fiel e íntegro;
- o Salmo nos chama à pureza de coração;
- o Evangelho nos mostra que Cristo é Senhor da vida e da morte.
Cornélio e Cipriano viveram plenamente esse caminho. Foram pastores íntegros, de coração puro, compassivos e fiéis até o sangue.
Celebrá-los hoje é um convite a cada um de nós: ser testemunhas vivas do Cristo que liberta, cura e ressuscita.
Que eles intercedam pela Igreja, para que nunca faltem pastores fiéis, corajosos e misericordiosos, que saibam manter a unidade e guiar o rebanho no amor de Cristo.


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