O Espírito do Senhor Deus está sobre mim | Dom Lucas Henrique Lorscheider

 

ASSOCIAÇÃO ARAUTOS DO EVAGELHO 

DOM LUCAS HENRIQUE LORSCHEIDER

POR MERCÊ DE DEUS E DA SANTA SÉ APOSTÓLICA

BISPO TITULAR DE DAGNO


As palavras de Isaías — retomadas por Jesus na sinagoga de Nazaré (cf. Lc 4,18-19) — ecoam como um verdadeiro manifesto da missão cristã. “O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu; enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, curar os corações feridos, proclamar a libertação aos cativos e a liberdade aos prisioneiros” (Is 61,1).

Não se trata apenas de um versículo isolado, mas da síntese daquilo que significa ser ungido por Deus: receber o Espírito para ser instrumento da salvação. Jesus, ao assumir este texto como cumprimento da profecia em sua própria pessoa, revela que a unção não é um privilégio, mas uma missão.

Hoje, esta palavra deve ser entendida não apenas em relação a Cristo — o Ungido por excelência — mas também à Igreja, Corpo Místico de Cristo, chamada a continuar Sua missão no mundo. E, de modo particular, cada cristão, pelo Batismo e pela Confirmação, torna-se também “ungido” e participante desta tarefa.

Não há missão sem o Espírito. O próprio Jesus inicia seu ministério após o Batismo no Jordão, quando “o Espírito Santo desceu sobre Ele em forma corporal, como uma pomba” (Lc 3,22). A unção de Isaías se cumpre exatamente ali, na manifestação pública do Messias.

Santo Irineu de Lião explica:

“Onde está a Igreja, ali está o Espírito de Deus, e onde está o Espírito de Deus, ali está a Igreja e toda graça. O Espírito é a verdade” (Adversus Haereses, III, 24,1).

O Espírito não apenas “vem” sobre o Ungido, mas habita n’Ele permanentemente. É por isso que Jesus age com autoridade, cura os enfermos, expulsa os demônios e anuncia o Reino. Ele não o faz por simples carisma humano, mas porque é plenamente conduzido pelo Espírito.

Hoje, vivemos num mundo onde muitas vozes se erguem: ideologias, consumismo, relativismo moral. Só o Espírito Santo é capaz de dar clareza ao discípulo e fazê-lo discernir o que é realmente Boa Nova e o que é apenas ilusão.

O primeiro destinatário da missão é claro: os pobres. Mas quem são eles? Certamente, os materialmente carentes, os marginalizados, os que não têm voz na sociedade. No entanto, na visão bíblica, “pobre” é também aquele que depende totalmente de Deus.

O Papa Francisco, na Evangelii Gaudium, nos recorda:

“A opção pelos pobres é uma categoria teológica antes que cultural, sociológica, política ou filosófica” (EG, 198).

Anunciar a Boa Nova aos pobres não significa apenas oferecer ajuda material — embora isso seja necessário — mas sobretudo levar a esperança do Reino. Hoje, em meio à indiferença e ao individualismo, ser ungido pelo Espírito exige que cada cristão seja voz de consolo e esperança, denunciando as injustiças e testemunhando a caridade.

A profecia de Isaías fala em “curar os corações feridos”. Quantos corações feridos encontramos hoje? Pessoas esmagadas por decepções, famílias divididas, jovens desiludidos, idosos abandonados, dependentes químicos, vítimas de violência, guerras e exclusão.

São João Paulo II dizia:

“O homem contemporâneo ouve mais de bom grado as testemunhas do que os mestres, ou se ouve os mestres, é porque eles são testemunhas” (Evangelii Nuntiandi, 41).

Curar não é apenas falar de esperança, mas ser presença de esperança. O cristão, ungido pelo Espírito, deve levar a paz onde há ódio, a reconciliação onde há divisão, o perdão onde há ressentimento. Isso não é tarefa fácil, mas é a essência do Evangelho.

Hoje, curar corações feridos significa também lutar contra o desespero, contra a cultura da morte, contra a manipulação da vida humana. Significa acolher a dor do outro como missão e não como incômodo.

Cristo proclama a libertação dos cativos e a liberdade aos prisioneiros. Aqui não se trata apenas de prisões físicas, mas sobretudo da escravidão do pecado.

São Paulo escreve:

“É para a liberdade que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes, e não vos deixeis amarrar de novo ao jugo da escravidão” (Gl 5,1).

A missão do ungido é proclamar esta liberdade. Quantos hoje estão cativos de vícios, ideologias, injustiças estruturais, escravidão tecnológica, pornografia, drogas, consumismo? A verdadeira unção não se reduz a palavras piedosas: ela quebra correntes concretas.

É urgente recuperar o anúncio de que Cristo liberta. Não de modo abstrato, mas real. A Igreja, em sua pastoral, precisa ser cada vez mais espaço de libertação, de acolhida, de transformação.

Viver este texto hoje significa confrontar os grandes desafios de nosso tempo. Destaco alguns:

  1. Secularismo: muitos vivem como se Deus não existisse. O ungido deve ser sinal vivo da presença de Deus.
  2. Indiferença social: pobres e marginalizados são invisíveis. A Boa Nova é feita para eles em primeiro lugar.
  3. Crise da esperança: guerras, violência, injustiça. A missão é proclamar que o Reino é maior que a desesperança.
  4. Individualismo e relativismo: a unção pede uma vida de comunhão, verdade e testemunho.
  5. Tecnologia e superficialidade: somos chamados a usar os meios modernos para evangelizar sem perder a profundidade.

Aqui se percebe como a unção não é apenas ritual, mas um estilo de vida no Espírito, capaz de transformar a sociedade.

Ser ungido pelo Espírito não é apenas uma missão pessoal, mas comunitária. O Espírito é derramado sobre a Igreja inteira, em Pentecostes.

O Papa Bento XVI dizia:

“O Espírito Santo edifica a Igreja, animando-a com os diversos dons e carismas, mas é sempre o mesmo Espírito” (Homilia de Pentecostes, 2006).

Portanto, a Boa Nova não é tarefa de indivíduos isolados, mas da comunidade eclesial. Hoje, cada paróquia, cada movimento, cada comunidade religiosa é chamada a viver como expressão concreta desta unção: anunciando, curando, libertando.

A unção acontece sacramentalmente. Pelo Batismo, recebemos o Espírito. Pela Confirmação, somos fortalecidos para a missão. Pela Eucaristia, nos alimentamos para anunciar a Boa Nova. Pelo Sacerdócio, a unção configura ao próprio Cristo Cabeça.

São Leão Magno afirmava:

“Reconhece, ó cristão, a tua dignidade: foste feito participante da natureza divina, não voltes à antiga baixeza por uma vida indigna” (Sermão 1 de Natal).

A unção é real, não simbólica. Ela transforma a identidade do cristão. Viver como ungido significa viver como homem e mulher do Espírito, sempre em estado de missão.

O texto de Isaías e de Jesus tem também uma dimensão profética. Ser ungido significa anunciar o Reino, mas também denunciar tudo o que se opõe a ele.

Profetas não são apenas visionários, mas testemunhas incômodas. Hoje, isso significa levantar a voz contra a corrupção, a injustiça social, a exploração dos pobres, a banalização da vida, a degradação da família, a destruição da criação.

Mas a denúncia deve sempre estar unida ao anúncio: a esperança do Reino de Deus.

Concretamente, como viver hoje esta unção?

  • Na vida pessoal: cultivar oração, intimidade com o Espírito, discernimento diário.
  • Na família: tornar o lar uma pequena igreja, espaço de acolhida e testemunho.
  • Na comunidade: participar ativamente da vida eclesial, não como consumidor de sacramentos, mas como missionário.
  • Na sociedade: ser voz dos que não têm voz, promover a justiça e a paz, testemunhar a fé no mundo do trabalho, da política, da cultura.
  • Na evangelização digital: usar os meios de comunicação para levar a Boa Nova, sem cair na superficialidade.

A história da Igreja está repleta de homens e mulheres que viveram esta unção de modo exemplar.

  • São Francisco de Assis: despojou-se de tudo para viver a pobreza evangélica e anunciar a paz.
  • Santa Teresa de Calcutá: levou consolo e cura aos mais pobres entre os pobres.
  • São João Paulo II: incansável missionário, anunciando a Boa Nova a todas as nações.
  • Santos mártires: testemunharam até o sangue que o Espírito estava sobre eles.

Eles nos mostram que a unção não é teoria, mas vida concreta.

Nenhuma reflexão sobre a unção estaria completa sem mencionar Maria, a Mãe de Jesus. Ela é a cheia de graça, a mulher totalmente habitada pelo Espírito.

No Magnificat, ela proclama a Boa Nova aos pobres, exalta a misericórdia de Deus, anuncia a libertação. Sua vida inteira é expressão de Isaías 61.

Maria ensina que o Espírito age na humildade, no silêncio, na entrega total a Deus. Ela é a primeira missionária, levando Jesus ao mundo.

“O Espírito do Senhor Deus está sobre mim e me ungiu para anunciar a boa nova”. Essa palavra não é apenas de Isaías, nem apenas de Jesus em Nazaré. É também palavra dirigida a cada cristão de hoje.

Num mundo marcado por dor, violência, solidão e vazio espiritual, a unção do Espírito nos chama a ser testemunhas da esperança. Ungidos, não para nós mesmos, mas para os outros.

São Paulo nos recorda:

“Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho!” (1Cor 9,16).

Essa é a missão: anunciar a Boa Nova com a vida, curar corações com o amor, libertar os cativos com a verdade, proclamar o Reino com coragem.

Se cada cristão viver de fato como ungido pelo Espírito, o mundo de hoje poderá experimentar novamente a força da Boa Nova, que continua atual, eficaz e transformadora.

Com sentimentos de filial veneração e comunhão eclesial, em Cristo e Maria, subscrevo-me,

Em Jesus e Maria,

Dada e passada na cidade de Roma, aos dezesseis dias do mês de setembro do ano do Senhor de dois mil e vinte e cinco.


 LUCAS HENRIQUE LORSCHEIDER

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