Vou enviar um anjo que vá à tua frente | Dom Lucas Henrique Lorscheider

 


Liturgia Diária
Quinta-feira 26ª Semana do T. Comum

Queridos irmãos e irmãs em Cristo,

A liturgia de hoje nos convida a celebrar com fé e gratidão a memória dos Santos Anjos da Guarda. O que celebramos não é uma devoção secundária ou meramente piedosa, mas uma verdade profunda da nossa fé: Deus, que é Senhor do universo, em sua bondade e providência, confia a cada ser humano um anjo que o acompanha, protege e guia no caminho da salvação.

As leituras proclamadas iluminam essa realidade.
Na primeira leitura (Êxodo 23,20-23), o Senhor diz a Moisés: “Vou enviar um anjo à tua frente, para que te guarde pelo caminho e te conduza ao lugar que preparei”. Essa promessa foi feita ao povo de Israel a caminho da Terra Prometida: não estavam sozinhos; a presença de Deus se manifestava por meio do anjo que os guiava e protegia.

O Salmo 90(91), tão amado pelos cristãos, ecoa a mesma confiança: “Porque a seus anjos ele mandou que te guardem em todos os teus caminhos.” É uma oração de fé na providência divina que se faz próxima através dos anjos.

O Evangelho de Mateus (18,1-5.10) nos traz a palavra de Jesus, que coloca uma criança no meio dos discípulos e diz: “Se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus… Vede: não desprezeis nenhum destes pequeninos, porque os seus anjos nos céus veem sem cessar a face de meu Pai que está nos céus.
Cristo nos ensina que a humildade e a confiança filial nos tornam próximos de Deus e que os anjos guardam com especial carinho os pequeninos.

Portanto, nesta homilia, meditaremos sobre três eixos fundamentais:

  1. O cuidado de Deus que nos acompanha por meio dos anjos.
  2. A atitude de humildade e confiança que devemos cultivar.
  3. O compromisso de viver hoje à luz dessa presença protetora, cooperando com a graça de Deus.

A primeira leitura, do livro do Êxodo, nos coloca na cena do povo de Israel peregrinando pelo deserto. Estavam libertos da escravidão, mas ainda não haviam chegado à terra prometida. O caminho era longo, cheio de perigos, incertezas, tentações. É nesse contexto que Deus lhes dá a promessa: “Vou enviar um anjo à tua frente…”.

Essa passagem tem um profundo valor teológico.
O “anjo do Senhor” é sinal da proximidade e do cuidado pessoal de Deus. Não é um mero mensageiro; é uma presença ativa que protege, guia e adverte. O texto diz: “Respeita-o e escuta a sua voz… ele não perdoará a vossa rebeldia, porque o meu nome está nele.” Isso indica que o anjo age em nome de Deus, manifestando sua autoridade e sua santidade.

O povo de Israel precisava entender que não caminhava sozinho; a libertação não era apenas um ato passado (a saída do Egito), mas uma experiência contínua de cuidado.
Também nós vivemos em travessia: caminhamos neste mundo rumo à pátria celeste. Como Israel, enfrentamos desertos – dificuldades espirituais, tentações, lutas diárias – e, como eles, precisamos da presença de Deus que nos sustente.

A tradição cristã vê nos anjos da guarda a atualização desta promessa: Deus continua a enviar mensageiros de luz para guardar e orientar cada filho seu. O Catecismo da Igreja Católica (§336) ensina:

“Desde o seu começo até à morte, a vida humana é cercada pela sua proteção e pela sua intercessão. ‘Cada fiel tem a seu lado um anjo como protetor e pastor para conduzi-lo à vida’ (São Basílio Magno).”

O ensinamento é claro: não somos abandonados na caminhada. Deus, que é infinita majestade, inclina-se a cada pessoa com ternura, confiando-lhe um anjo como companheiro e guardião.

Na vida espiritual, essa presença nos lembra que a graça de Deus é sempre maior do que as dificuldades que enfrentamos. Os anjos são enviados para nos ajudar a vencer as tentações, a manter a fé viva, a não desviar do caminho da salvação. São como “sinais do cuidado de Deus” e companheiros invisíveis que reforçam nossa esperança.

O Salmo 90(91) é uma das orações mais consoladoras das Escrituras. Foi rezado por gerações de judeus e cristãos como súplica de proteção contra perigos, doenças, inimigos. É o salmo da confiança na fidelidade de Deus:

“Porque a seus anjos ele mandou que te guardem em todos os teus caminhos. Eles te sustentarão em suas mãos, para que não tropeces em alguma pedra.”

Notemos que a proteção prometida não significa ausência de provações, mas a certeza de que, em meio a elas, não estaremos sozinhos. O Senhor envia seus anjos como guardiões. O salmo não é uma “fórmula mágica”, mas um convite a viver na obediência e confiança em Deus.

Muitos santos testemunharam uma experiência viva desta proteção. São Pio de Pietrelcina, por exemplo, recomendava que pedíssemos a ajuda do nosso anjo da guarda nas dificuldades.
Santa Teresinha do Menino Jesus, mesmo não tendo visões extraordinárias, vivia com a simplicidade de quem sabia estar amparada pelo amor de Deus: “Tudo é graça”, dizia ela; e certamente reconhecia que os anjos fazem parte desta graça invisível que nos envolve.

Hoje, em um mundo que tantas vezes confia mais na técnica e na força humana do que em Deus, o salmo nos recorda que a verdadeira segurança vem do Senhor. Ele é nosso refúgio, e os anjos são sinais do seu cuidado pessoal.

O Evangelho de Mateus nos leva ao coração da mensagem de Cristo sobre a humildade e a confiança.
Os discípulos perguntam: “Quem é o maior no Reino dos Céus?” – uma pergunta marcada por ambição e busca de status.
Jesus responde colocando uma criança no meio deles e dizendo:

“Quem se fizer pequeno como esta criança, esse é o maior no Reino dos Céus. E quem acolher em meu nome uma criança como esta, acolhe a mim.”

Em seguida, o Senhor dá uma advertência solene:

“Vede: não desprezeis nenhum destes pequeninos, pois eu vos digo que os seus anjos nos céus veem sem cessar a face de meu Pai que está nos céus.”

Aqui está o núcleo da mensagem:

  • O Reino de Deus é dos humildes e confiantes, não dos orgulhosos.
  • Cada pessoa, especialmente os mais frágeis e indefesos, tem dignidade infinita diante de Deus e é acompanhada por um anjo que contempla a face do Pai.

A presença do anjo da guarda não é apenas um consolo pessoal; é também um chamado à reverência e ao respeito pelo outro, especialmente pelos mais pequenos e vulneráveis. Se cada ser humano tem um anjo que está em comunhão com Deus, não podemos desprezar ou maltratar ninguém sem ofender o próprio Deus.

Nosso tempo, marcado por tantas formas de desprezo pelos pequenos – crianças abandonadas, idosos esquecidos, migrantes, pobres, pessoas exploradas – precisa redescobrir esta verdade: o cuidado com os pequeninos é cuidado com o próprio Cristo, e os anjos de Deus são testemunhas disso.

Além disso, Jesus nos convida a cultivar a espiritualidade da criança: a confiança, a simplicidade, a capacidade de depender do Pai. Isso não é infantilidade, mas maturidade espiritual. O orgulho fecha o coração à graça; a humildade o abre à presença de Deus e de seus anjos.

a) A presença dos anjos como convite à confiança

Saber que Deus nos deu um anjo da guarda nos lembra que não estamos sozinhos. Em tempos de medo, solidão ou provação, podemos rezar e pedir sua intercessão. Isso não substitui a oração ao próprio Deus, mas é um auxílio oferecido por Ele.

b) Humildade e abertura de coração

A mensagem do Evangelho é clara: quem quer ser grande precisa ser pequeno diante de Deus. Isso nos desafia a vencer a tentação do orgulho, da autossuficiência, do poder. A humildade abre espaço para a ação da graça, que muitas vezes se manifesta de modo discreto, como a presença silenciosa dos anjos.

c) Respeito e cuidado pelos pequeninos

Se os anjos contemplam o rosto do Pai e velam por cada pessoa, então cada ser humano tem valor sagrado. Isso nos chama a reverenciar a dignidade do próximo, a defender a vida desde a concepção até a morte natural, a promover justiça e solidariedade.

d) Colaboração com a graça

Os anjos nos guardam e inspiram, mas não substituem a nossa liberdade. Devemos colaborar com a graça, ouvindo a voz de Deus, escolhendo o bem, evitando o pecado. A presença do anjo da guarda é estímulo para viver de modo digno da vocação cristã.

e) A espiritualidade do dia a dia

Seguir a “pequena via” de confiança e amor, como ensinou Santa Teresinha, é uma forma concreta de cooperar com a ação dos anjos. Eles nos ajudam a perseverar nas pequenas fidelidades que constroem a santidade.

Os anjos não são apenas protetores individuais; eles participam da missão de Deus de conduzir toda a humanidade à salvação. Na liturgia, unimo-nos a eles quando proclamamos: “Santo, Santo, Santo…
A memória dos Santos Anjos da Guarda nos recorda que a Igreja é sustentada por essa comunhão invisível. Nossa missão de evangelizar, de construir um mundo mais justo e fraterno, não se faz sozinhos, mas com a ajuda dos céus.

Como Neemias foi guiado por um anjo na reconstrução de Jerusalém, também hoje precisamos reconhecer que nossa caminhada de fé e nosso serviço à Igreja contam com o auxílio invisível, mas eficaz, dos anjos. Eles inspiram, protegem e intercedem para que sejamos fiéis.

Queridos irmãos e irmãs,
ao celebrarmos a memória dos Santos Anjos da Guarda, reconhecemos a bondade de Deus que, em sua providência, acompanha cada um de nós.

As leituras nos ensinam:

  • O anjo enviado por Deus é sinal de que não caminhamos sozinhos (Êxodo).
  • Podemos confiar na sua proteção (Salmo 90).
  • Devemos cultivar humildade e respeito pelos pequenos, pois seus anjos contemplam a face do Pai (Mateus).

A presença dos anjos nos encoraja a caminhar com esperança, a viver a fé com simplicidade e a colaborar com a graça de Deus.
Eles são nossos companheiros invisíveis e amigos celestes, chamados a nos conduzir até a comunhão plena com Deus.

Confiemos, portanto, nossa vida, nossa família, nossa comunidade à proteção dos Santos Anjos da Guarda, e aprendamos com eles a viver na adoração, na obediência e na fidelidade.

“Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou a piedade divina, sempre me rege, me guarda, me governa, me ilumina. Amém.”

 LUCAS HENRIQUE LORSCHEIDER

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