“A fidelidade a Deus transforma a dor do pecado em esperança: seguindo o testemunho dos Mártires do Brasil, sejamos sal da terra e luz do mundo.”
Amados irmãos e irmãs em Cristo,
Reunidos na presença do Senhor nesta liturgia, a Palavra de Deus hoje ressoa como um chamado profundo à conversão, à perseverança e ao testemunho corajoso da fé. A leitura do profeta Baruc, o salmo de lamentação e súplica, o Evangelho de São Lucas com as duras advertências de Jesus, e a memória dos santos mártires brasileiros — André de Soveral, Ambrósio Francisco Ferro, Mateus Moreira e seus companheiros — formam um verdadeiro itinerário espiritual: da consciência do pecado e da necessidade de voltar a Deus, passando pela firme adesão ao Evangelho, até o dom da própria vida em fidelidade a Cristo.
Esta homilia pretende ajudar-nos a mergulhar no sentido teológico da Palavra proclamada e, ao mesmo tempo, nos convidar a atualizar o testemunho dos mártires na realidade do nosso tempo.
A primeira leitura (Bar 1,15-22) é uma oração de penitência. Ela brota do coração de um povo que, vivendo o exílio, reconhece que o afastamento de Deus foi a raiz de suas desgraças:
“Ao Senhor, nosso Deus, cabe a justiça; a nós, a vergonha estampada no rosto.”
O profeta Baruc fala não de maneira individualista, mas em nome de toda a comunidade. Isso é importante, porque revela que o pecado tem sempre uma dimensão pessoal e social. Quando uma sociedade se afasta dos caminhos do Senhor, a injustiça, a violência e a desordem se multiplicam.
Vivemos em um tempo muito semelhante: secularização, indiferença religiosa, ideologias que tentam substituir a fé viva em Deus. Não é difícil reconhecer que também hoje muitas crises que vivemos — a desigualdade, as divisões, a perda de sentido da vida, as guerras — têm sua raiz em um coração humano que se afasta do Criador.
A teologia bíblica nos ensina que a conversão (em hebraico, shub) é um retorno. Não é simplesmente corrigir alguns erros, mas mudar a direção da vida. Baruc nos recorda que só há esperança verdadeira quando o povo volta a buscar o Senhor com humildade, confessa sua infidelidade e suplica sua misericórdia.
O salmo responsorial é um grito de um povo que sofre as consequências do pecado e da opressão:
“Senhor, não lembreis contra nós as culpas do passado; que a vossa compaixão venha logo ao nosso encontro.”
Este salmo é profundamente cristológico, porque nos lembra que Jesus assumiu sobre si as dores do seu povo, tornando-se o intercessor que clama ao Pai por nós. A Igreja, ao rezar este salmo, aprende a não se resignar diante do mal, mas a lutar contra ele com as armas da fé, da oração e da caridade.
Hoje, muitos cristãos, especialmente em lugares onde a fé é perseguida, rezam com as palavras deste salmo. Mas ele também é oração para nós, que enfrentamos as tentações de um mundo que procura silenciar a voz de Deus. Rezá-lo é recordar que, apesar de nossas falhas, o amor de Deus é maior que nossas culpas.
No Evangelho (Lc 10,13-16), Jesus adverte com palavras duras as cidades que presenciaram seus milagres e não se converteram. Fala de Corazim, Betsaida, Cafarnaum — lugares que receberam abundantemente a luz de Deus, mas não deram frutos.
É um alerta para nós: não basta ouvir a Palavra, é preciso acolhê-la e deixar-se transformar por ela. A indiferença espiritual é, talvez, um dos maiores males de nosso tempo. Quantos cristãos batizados vivem como se Cristo fosse uma figura distante do passado, sem impacto sobre as escolhas concretas do dia a dia!
Jesus lembra que quem escuta os enviados da Igreja, escuta a Ele; e quem rejeita a mensagem da Igreja, rejeita o próprio Cristo. Assim, este Evangelho nos faz perguntar: estamos acolhendo a presença de Cristo hoje? Ou estamos repetindo a indiferença das cidades do Evangelho?
É nesse contexto que ressoa com especial força o testemunho de André de Soveral, Ambrósio Francisco Ferro, Mateus Moreira e seus companheiros, que derramaram seu sangue no Rio Grande do Norte no século XVII.
Diante das perseguições e das propostas de renegar a fé, eles permaneceram firmes, mesmo sob torturas terríveis. Recordemos especialmente as palavras atribuídas a Mateus Moreira, quando seu coração foi arrancado:
“Louvado seja o Santíssimo Sacramento!”
Esses mártires nos ensinam que a fidelidade a Cristo vale mais que a própria vida. Eles não eram fanáticos; eram discípulos de Jesus que preferiram perder tudo a perder a fé. Seu testemunho cumpre as palavras do Senhor:
“Quem me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante do Pai” (cf. Mt 10,32).
Os mártires são um antídoto contra a indiferença espiritual. Eles mostram que a fé não é uma ideia abstrata, mas um encontro com Alguém — Cristo vivo — que merece confiança absoluta.
O martírio é a suprema forma de caridade. Como diz São João Paulo II, o mártir não escolhe a morte por amar o sofrimento, mas por amar a Cristo mais do que a própria vida. Ele é um sinal de esperança para a Igreja porque mostra que a graça de Deus é mais forte que qualquer perseguição.
O sangue dos mártires, dizia Tertuliano, é “semente de novos cristãos”. Isso é particularmente verdadeiro na história da evangelização do Brasil: o testemunho desses irmãos fortaleceu a fé de gerações e recorda a nós, hoje, que a Igreja cresce quando se mantém fiel ao Evangelho, mesmo a custo de sacrifícios.
Além disso, o martírio gera unidade. Em um tempo em que vivemos tantas divisões — políticas, sociais e até religiosas —, os mártires nos lembram que é na fidelidade a Cristo e na caridade que a verdadeira unidade é construída.
A homilia não pode ser apenas um olhar para o passado; deve iluminar a vida presente. As leituras e o testemunho dos mártires nos fazem refletir sobre três aspectos fundamentais:
- Necessidade de conversão pessoal e comunitária: Como Baruc, precisamos reconhecer nossos pecados, inclusive como Igreja, e suplicar a Deus a graça de um coração convertido.
- Fidelidade corajosa em meio às provações: O Evangelho nos chama a não ser indiferentes. Somos convidados a testemunhar Cristo em nosso ambiente familiar, social e profissional, mesmo quando somos criticados ou ridicularizados.
- Testemunho que gera unidade e esperança: Os mártires mostram que a unidade da Igreja não é fruto de acordos humanos, mas do Espírito Santo que nos une na fidelidade à verdade e ao amor.
- Para as famílias: educar na fé com coragem, transmitindo aos filhos o amor a Cristo e à Igreja.
- Para as comunidades: não ter medo de dar testemunho público do Evangelho, mesmo em ambientes hostis.
- Para os jovens: perceber nos mártires modelos de autenticidade, mostrando que a santidade é possível também hoje.
- Para os pastores da Igreja: como André de Soveral e Ambrósio Francisco Ferro, serem guias firmes do rebanho, não cedendo a pressões que afastam do Evangelho.
É significativo que muitos desses mártires foram mortos durante a celebração ou em torno da Eucaristia. Isso nos recorda que a força para testemunhar a fé vem da comunhão com Cristo vivo.
Ao participarmos da Missa, somos fortalecidos com o mesmo amor que sustentou os mártires. Não recebemos apenas um pão, mas o próprio Cristo, que nos dá coragem para sermos suas testemunhas.
Num mundo marcado por incertezas e crises, o testemunho dos mártires e a Palavra de Deus nos recordam que a esperança cristã não é ilusória. É a esperança que nasce da vitória de Cristo sobre a morte.
Essa esperança nos impulsiona a sermos luz nas trevas, a lutar pela dignidade humana, a ser construtores de paz e reconciliação. Como dizia Bento XVI, “o cristão é aquele que vive do futuro, não do passado; é aquele que já vê brilhar a aurora da eternidade”.
Queridos irmãos e irmãs, diante do Senhor, renovemos hoje nosso compromisso de viver uma fé que não seja apenas nominal, mas que transforme nossa vida.
Que a memória de André de Soveral, Ambrósio Francisco Ferro, Mateus Moreira e companheiros mártires nos inspire a:
- Reconhecer nossas faltas e buscar a misericórdia do Senhor;
- Acolher com gratidão a Palavra de Deus e permitir que ela guie nossas decisões;
- Testemunhar Cristo com coragem, mesmo quando isso exige renúncias;
- Ser instrumentos de unidade e esperança no meio das divisões do mundo.
Que Maria Santíssima, Rainha dos Mártires, e os santos mártires do Brasil intercedam por nós para que sejamos fiéis discípulos missionários de Cristo.
Amém.



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