Meus irmãos e irmãs em Cristo,
A Palavra de Deus hoje nos convida a mergulhar na essência da fé cristã, que não se fundamenta em obras externas, mas na confiança profunda no amor de Deus que nos salva. E, providencialmente, celebramos neste dia a memória de Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir do século I, sucessor direto dos Apóstolos, discípulo de São João Evangelista, e um dos primeiros testemunhos da Igreja nascente que nos fala sobre a unidade, o amor e o sacrifício total a Cristo.
As leituras de hoje, quando iluminadas pela vida deste grande santo, nos levam a compreender o coração da espiritualidade cristã: a justificação pela fé, o perdão que liberta, e o amor que vence o medo.
Na primeira leitura, São Paulo, na sua carta aos Romanos (4,1-8), retoma a figura de Abraão, o pai dos crentes. Ele quer mostrar aos cristãos de Roma — e também a nós, hoje — que a salvação não vem de méritos humanos, nem de observâncias externas da Lei, mas de uma relação viva e confiante com Deus.
“Abraão creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça” (Rm 4,3).
Essa frase é central na teologia paulina e, de certo modo, define toda a estrutura da vida cristã. A fé é um ato de confiança, de abandono total nas mãos de Deus. É a atitude de quem sabe que tudo o que é bom, santo e redentor em sua vida vem do Senhor e não de si mesmo.
Abraão não foi declarado justo por suas obras, mas porque acreditou — acreditou quando tudo parecia impossível. Acreditou contra toda esperança, quando a esterilidade de Sara e a sua idade avançada pareciam fechar o futuro. E porque creu, Deus o fez pai de uma multidão.
São Paulo, com isso, quer nos libertar da tentação sempre atual do farisaísmo, que mede a santidade pela exterioridade das ações e não pela pureza do coração. E aqui entra a profunda atualidade deste texto: vivemos tempos em que muitos se apoiam em aparências de religiosidade, em títulos, cargos, ritos vazios ou posturas externas. No entanto, a verdadeira justiça, segundo o Evangelho, brota da humildade de quem reconhece sua própria miséria e confia na misericórdia divina.
Santo Inácio de Antioquia compreendeu isso de modo perfeito. Em suas cartas, escritas a caminho do martírio em Roma, ele se apresenta como um homem que confia inteiramente em Cristo. Não há em suas palavras vanglória nem orgulho episcopal, mas um coração abrasado de amor e fé:
“Sou trigo de Deus, e serei moído pelos dentes das feras para tornar-me pão puro de Cristo.”
Essa frase resume o espírito da fé de Abraão: uma fé que se entrega sem reservas, mesmo quando isso implica a morte. Uma fé que se transforma em amor oblativo.
O salmista (Sl 31/32) proclama:
“Feliz o homem cuja falta é perdoada, cujo pecado foi coberto.”
Aqui se revela a face misericordiosa de Deus. Não há alegria maior do que a de um coração reconciliado. O salmista experimentou o peso do pecado, mas também o alívio do perdão. Quando se cala diante do mal que cometeu, seu coração definha. Quando confessa, encontra vida.
“Confessei, afinal, o meu pecado, e não mais ocultei a minha culpa. Eu disse: ‘Vou confessar o meu pecado ao Senhor’, e logo me perdoaste a culpa e o pecado.”
Esse salmo nos ensina que a conversão não é um ato de vergonha, mas de libertação. O pecado oculto é como um peso insuportável; o perdão é leveza, é graça, é renascimento.
Na vida de Santo Inácio de Antioquia, encontramos esse mesmo espírito penitente e confiante. Ele não se vê como herói, mas como pecador amado por Deus. Em uma de suas cartas, diz:
“Agora começo a ser discípulo... nada mais desejo das coisas visíveis ou invisíveis, apenas quero chegar a Jesus Cristo.”
Inácio sabia que o perdão de Deus não é um prêmio para os perfeitos, mas um dom para os que se abandonam. E essa certeza o libertou de todo medo, de toda hipocrisia, de toda vaidade religiosa.
Hoje, nós, pastores e fiéis, precisamos redescobrir essa alegria do perdão. Vivemos em uma sociedade que relativiza o pecado, que já não se confessa, que banaliza o mal. E, ao mesmo tempo, vive angustiada, vazia, deprimida. Falta-lhe a experiência libertadora do amor que perdoa. O cristão autêntico é aquele que, consciente de sua fragilidade, se lança nos braços do Pai e, perdoado, volta a viver.
O Evangelho de hoje (Lc 12,1-7) mostra Jesus advertindo os discípulos:
“Tomai cuidado com o fermento dos fariseus, que é a hipocrisia.”
A hipocrisia é o oposto da fé autêntica. Enquanto a fé é confiança, a hipocrisia é aparência. Enquanto a fé nasce da verdade interior, a hipocrisia é disfarce, teatro, ilusão.
Jesus nos alerta para esse fermento que, como o pecado, cresce silenciosamente, corrompe o interior e destrói a comunhão. O hipócrita preocupa-se com o que os outros pensam; o justo preocupa-se com o que Deus vê.
E Jesus completa:
“Nada há de escondido que não venha a ser revelado, e nada de oculto que não venha a ser conhecido.”
Aqui o Senhor nos chama à transparência da alma. O cristão não vive para sustentar máscaras, mas para deixar que a luz de Deus ilumine tudo. Por isso, Ele acrescenta:
“Não temais os que matam o corpo e depois disso nada mais podem fazer... Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados.”
É a pedagogia da confiança: o discípulo deve temer apenas perder a amizade de Deus, não as ameaças do mundo.
Eis o testemunho vivo de Santo Inácio de Antioquia. Diante dos imperadores romanos, que lhe prometeram uma morte cruel, ele respondeu:
“Deixai-me ser imitador da Paixão do meu Deus.”
Ele não teve medo dos que podiam matar o corpo, porque sabia que a verdadeira vida estava escondida com Cristo em Deus (cf. Cl 3,3).
A advertência de Jesus contra a hipocrisia é também um apelo à Igreja de hoje. Vivemos em tempos em que muitos têm medo de testemunhar a fé publicamente, de defender os valores do Evangelho diante da cultura dominante. Quantas vezes preferimos calar por conveniência! Quantas vezes nossa fé se torna uma formalidade, um rótulo social, um hábito sem alma.
Jesus nos chama à autenticidade: ser cristão de verdade, por dentro e por fora. Santo Inácio foi exemplo perfeito disso: sua fé não era teoria, era vida doada, era amor em ato. Ele pregava o que vivia, e viveu o que pregava — até o martírio.
Santo Inácio de Antioquia, cuja memória celebramos, é uma das figuras mais belas e luminosas da Igreja primitiva. Bispo da importante comunidade de Antioquia — a primeira onde os discípulos foram chamados cristãos (cf. At 11,26) —, ele foi preso por causa de sua fé e levado a Roma para ser entregue às feras no Coliseu, provavelmente no ano 107.
Durante o caminho, escreveu sete cartas às comunidades cristãs, nas quais encontramos pérolas de sabedoria teológica e espiritual. Ele falava com ardor sobre a unidade da Igreja, sobre a obediência ao bispo como sinal de comunhão com Cristo, e sobre o amor que deve unir todos os fiéis no vínculo da caridade.
“Onde está o bispo, ali deve estar a comunidade, assim como onde está Cristo, ali está a Igreja Católica.”
Essas palavras são de uma atualidade impressionante. Em tempos de divisões, ideologias e polarizações até dentro da Igreja, Santo Inácio nos recorda que a unidade é fruto do amor, e o amor nasce da fé.
Ele nos ensina que a fé verdadeira gera comunhão, enquanto a hipocrisia gera cisão. Quem vive da fé de Abraão, quem confia como Inácio confiou, sabe que a Igreja não é obra humana, mas corpo vivo de Cristo. Amar a Igreja, mesmo ferida, é amar o próprio Cristo crucificado.
Na prática pastoral, isso significa cultivar em nossas comunidades um espírito de comunhão: evitar murmurações, fofocas, críticas destrutivas, invejas e competições. Significa trabalhar pela unidade, pela caridade, pela fraternidade que vem da Eucaristia — esse sacramento que Inácio chamava de “remédio de imortalidade”.
Ele, que caminhava para o martírio, pedia aos cristãos que não tentassem livrá-lo da morte, mas que rezassem para que ele permanecesse fiel até o fim:
“Deixai-me ser pasto das feras, pelas quais posso alcançar a Deus. Sou trigo de Deus.”
Essa entrega total é o contrário da hipocrisia denunciada por Jesus. É o amor autêntico, a fé provada, a confiança radical.
Queridos irmãos, diante dessas leituras e do testemunho de Santo Inácio, somos convidados a um exame de consciência. Como está a nossa fé? Temos vivido como Abraão — confiando no Senhor — ou como os fariseus, confiando em aparências?
Muitas vezes, nosso cristianismo se reduz a um moralismo superficial: cumprir ritos, assistir à Missa, fazer orações — tudo isso é bom, mas pode tornar-se vazio se não houver uma entrega real do coração.
A fé verdadeira transforma a vida. Ela nos faz viver segundo o Espírito, como diz São Paulo. Nos faz perdoar como o salmista, amar como Inácio, e confiar como Abraão.
Nos dias de hoje, o mundo precisa de cristãos autênticos. Precisamos de homens e mulheres que, como Santo Inácio, não se envergonhem do Evangelho (cf. Rm 1,16), que não tenham medo de testemunhar sua fé no ambiente de trabalho, nas redes sociais, nas escolas, nas universidades.
Precisamos de pais e mães que eduquem seus filhos na fé, mesmo que isso vá contra o espírito do mundo. Precisamos de jovens que não se deixem corromper pela cultura do prazer fácil e do relativismo, mas que digam: “Quero seguir a Cristo com tudo o que sou”.
Santo Inácio nos ensina que a fé gera coragem, e a coragem gera santidade. E essa santidade, vivida com simplicidade e amor, transforma o mundo.
Meus irmãos, as leituras de hoje nos mostram o caminho da santidade em três etapas:
- Crer como Abraão, confiando em Deus mesmo quando não entendemos o que Ele faz.
- Confessar como o salmista, reconhecendo o pecado e acolhendo o perdão.
- Viver como Santo Inácio, com autenticidade, coragem e amor.
Jesus nos diz: “Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados.” Nada escapa ao olhar amoroso do Pai. Ele conhece nossas lutas, nossas dores e fraquezas, mas também conhece a sinceridade dos que O amam.
Santo Inácio entregou tudo a Cristo e encontrou a verdadeira liberdade. Abraão confiou e foi abençoado. O salmista confessou e foi perdoado. E nós? Hoje somos chamados a fazer o mesmo.
Que esta Eucaristia renove em nós o dom da fé autêntica. Que deixemos de lado toda hipocrisia, todo medo, toda superficialidade. Que aprendamos com Santo Inácio a amar a Igreja, a viver em unidade, a confiar plenamente em Deus.
E que, como ele, possamos dizer ao Senhor, com humildade e esperança:
“Nada desejo senão estar com Cristo, e, com Ele, ressuscitar para a vida eterna.”
Amém.



Postar um comentário