Queridos irmãos e irmãs em Cristo,
Hoje a liturgia nos conduz a uma profunda reflexão sobre a autenticidade da fé, a pureza interior e o testemunho transformador do Evangelho. As leituras da Carta aos Romanos e do Evangelho segundo São Lucas nos convidam a olhar para dentro de nós mesmos, a reconhecer os perigos da hipocrisia religiosa e da superficialidade, e a buscar uma fé que realmente converta o coração e transforme as obras.
Além disso, celebramos hoje a memória de Santa Teresa de Jesus (ou Santa Teresa de Ávila), virgem e doutora da Igreja, mulher de oração, mística e reformadora da Ordem Carmelita. Em sua vida, ela nos ensinou que a verdadeira fé nasce de um coração purificado, que ama a Deus com sinceridade e se entrega completamente à ação transformadora do Espírito Santo.
Santa Teresa dizia: “Nada te perturbe, nada te espante; tudo passa, Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem a Deus tem, nada lhe falta: só Deus basta.” Sua espiritualidade é um testemunho vivo da mensagem central das leituras de hoje: a fé deve ser viva, interior e cheia de amor, não apenas um cumprimento exterior de regras.
São Paulo começa este trecho da carta com uma das declarações mais grandiosas e centrais de toda a teologia cristã:
“Eu não me envergonho do Evangelho, pois ele é uma força divina para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1,16).
Essas palavras resumem a convicção mais profunda do Apóstolo: o Evangelho é poder de Deus. Não é uma ideologia humana, nem uma filosofia, mas a manifestação viva do amor e da justiça de Deus. O Evangelho é, como diria Santo Agostinho, “a carta de amor de Deus à humanidade”.
Mas São Paulo vai além: ele fala da revelação da ira de Deus contra toda impiedade e injustiça dos homens, que, embora conheçam a Deus pela razão e pela criação, se afastaram d’Ele, adorando as criaturas em lugar do Criador (Rm 1,18-25).
O Apóstolo denuncia um movimento espiritual trágico: o ser humano, criado para louvar e servir a Deus, distorce essa ordem, colocando-se no centro, adorando o próprio ego, o prazer, o poder e o dinheiro. Isso é idolatria moderna.
Paulo fala não apenas de uma corrupção moral, mas de uma corrupção da inteligência e do coração. O homem que rejeita Deus passa a confundir o bem com o mal, o verdadeiro com o falso. Ele “se torna insensato”, diz o texto.
Essa mensagem é extremamente atual. Hoje, vivemos em uma sociedade que, como os pagãos de Roma, substitui o Criador pelas criaturas: adora o corpo, o sucesso, a ciência sem ética, a tecnologia sem alma. Como Paulo observa, “tendo conhecido a Deus, não O glorificaram como Deus, mas se perderam em seus pensamentos vãos”.
A idolatria denunciada por São Paulo não é apenas o culto a ídolos de pedra, mas o culto à autossuficiência humana, ao relativismo, ao “eu sou o meu próprio deus”. E esse culto gera sofrimento, desordem interior e uma sociedade cada vez mais dividida.
A teologia paulina aqui é claríssima: afastar-se de Deus é o mesmo que afastar-se da verdade e da liberdade. Só em Deus o homem encontra o sentido de sua existência e a força para viver com dignidade.
O salmo responsorial é uma verdadeira ponte entre a criação e o Criador. Ele proclama:
“Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra de suas mãos.”
A criação inteira é uma revelação silenciosa de Deus. Ela não fala com palavras, mas com beleza, harmonia e ordem. O salmista vê na natureza uma liturgia cósmica: o sol que percorre o céu é como um esposo que sai do leito nupcial, cheio de vigor e alegria.
Esse salmo é a resposta espiritual ao drama descrito por São Paulo. Se o pecado do homem foi não reconhecer o Criador nas suas obras, o salmo nos chama a abrir os olhos e o coração para ver Deus em tudo.
Santa Teresa de Ávila viveu essa contemplação com intensidade. Em seus escritos, ela revela como via Deus presente em todas as coisas: nas flores, nas estrelas, nos acontecimentos da vida. Para ela, tudo era ocasião de amar e servir ao Senhor. Assim, o salmo se realiza plenamente na vida do santo: quem contempla a criação com fé, reconhece o Criador e é movido a amá-Lo.
O Evangelho de hoje nos leva à casa de um fariseu, onde Jesus é convidado para uma refeição. O fariseu fica surpreso porque Jesus não se lava segundo o costume ritual antes de comer. E o Senhor responde com uma das críticas mais contundentes do Evangelho:
“Vós, fariseus, limpais o copo e o prato por fora, mas o vosso interior está cheio de roubos e maldades. Insensatos! Aquele que fez o exterior não fez também o interior?” (Lc 11,39-40).
O problema não está na prática exterior, mas na hipocrisia religiosa, na falta de coerência entre fé e vida. O fariseu representa o homem que cumpre formalidades, mas não deixa Deus purificar o coração.
Jesus denuncia a religião vazia, feita de aparências e normas, sem amor. E Ele conclui com uma frase admirável:
“Dai antes em esmola o que está dentro, e tudo ficará puro para vós.”
Isto é, a verdadeira pureza nasce da generosidade interior, da entrega do coração a Deus e ao próximo. O gesto exterior só tem valor quando brota de uma intenção sincera e de um amor real.
O cristão, portanto, deve preocupar-se não apenas em “parecer bom”, mas em ser bom diante de Deus. Jesus quer transformar o interior, não apenas o comportamento. Ele quer curar o coração, não apenas os gestos.
Podemos resumir a mensagem das leituras de hoje em três grandes verdades teológicas:
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A fé é força transformadora (Rm 1,16).O Evangelho é poder de Deus que salva e liberta. Não é ideologia, mas vida divina em ação.
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O pecado é afastamento da verdade e da justiça (Rm 1,25).Quando o homem rejeita Deus, ele perde o sentido da vida e se destrói por dentro.
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A verdadeira religião é interior e caritativa (Lc 11,41).Deus quer o coração puro, movido pelo amor e pela misericórdia.
Esses três eixos — fé, conversão e pureza interior — convergem no mistério central do cristianismo: Cristo como o único mediador da salvação, aquele que transforma o coração humano e o reconduz à comunhão com o Pai.
A memória de Santa Teresa ilumina com perfeição o Evangelho de hoje. Ela viveu num tempo em que a vida religiosa, muitas vezes, corria o risco de cair em formalismos e superficialidades. Com coragem, Teresa empreendeu uma profunda reforma espiritual, chamando suas irmãs e toda a Igreja à autenticidade da oração e da vida interior.
Santa Teresa experimentou, na oração, a presença viva de Deus que habita dentro da alma. Para ela, o caminho da santidade passa pela interioridade, pela escuta da Palavra, pela humildade e pela caridade.
O que Jesus denuncia nos fariseus, Teresa combateu em si mesma e em sua época: a vaidade espiritual, o apego às aparências, a tibieza. Ela nos ensina que o verdadeiro cristão é aquele que vive uma amizade pessoal com Deus, cultivada no silêncio da oração e expressa em obras de amor.
São Paulo e o Salmo 18 nos lembram que a criação é uma revelação da glória divina. Santa Teresa via isso em sua experiência mística: o mundo, para ela, era “cheio de Deus”.
Em nossos dias, a fé e a razão muitas vezes são vistas como opostas. Mas a teologia cristã ensina que elas são complementares: a razão descobre a ordem e a beleza da criação; a fé reconhece o Autor dessa beleza.
Quando a ciência é usada para compreender e cuidar da criação, ela honra o Criador. Quando é usada para dominar e destruir, ela se torna idolatria moderna. Assim, o ensinamento de Paulo é atual: o homem que substitui o Criador pelas criaturas está condenado à confusão e à perda de sentido.
O Evangelho de hoje toca num tema delicado, mas necessário: a hipocrisia religiosa. Jesus não rejeita as tradições, mas critica quando elas se tornam substitutos da conversão interior.
No mundo atual, onde a imagem pública e as aparências têm tanto valor, essa palavra é extremamente relevante. Podemos cair na tentação de “parecer bons” — nas redes sociais, na comunidade, até nas práticas religiosas — mas com o coração distante de Deus.
A teologia moral nos ensina que o pecado da hipocrisia é uma forma de mentira espiritual: é querer enganar a Deus e aos outros, escondendo o vazio interior. Jesus, porém, quer a verdade: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8,32).
A coerência entre fé e vida é o sinal da maturidade cristã. Santa Teresa viveu essa coerência com radicalidade: orava muito, mas também trabalhava, reformava, escrevia, sofria e amava. Sua vida era oração em ação.
Assim, o Evangelho nos chama a unir contemplação e compromisso, fé e obras, oração e caridade.
A Palavra de Deus de hoje tem um valor imenso para o nosso tempo. Podemos destacar algumas aplicações práticas:
a) Purificar a fé
Precisamos de uma fé adulta, centrada em Cristo, e não em ritos vazios ou modismos espirituais. A fé não é superstição nem conveniência social; é adesão consciente e amorosa à verdade do Evangelho.
b) Combater a idolatria moderna
O “deus” do consumo, do prazer, do poder e da vaidade ainda reina em muitos corações. A fé cristã nos convida a viver a sobriedade, a simplicidade e a solidariedade, lembrando que “só Deus basta”.
c) Viver a caridade como pureza interior
Jesus diz que o que purifica é dar em esmola o que está dentro. Em outras palavras: doar o coração. Caridade não é apenas ajuda material, mas doação de tempo, perdão, atenção, escuta.
d) Cultivar a oração interior
Inspirados em Santa Teresa, devemos redescobrir o valor do silêncio, da meditação e da presença de Deus. Uma alma que reza sinceramente é transformada por dentro e se torna luz para os outros.
A Santa Missa é o lugar onde aprendemos o verdadeiro sentido do Evangelho de hoje. Quando nos aproximamos da Eucaristia, o Senhor nos purifica, nos renova por dentro e nos ensina a unir o gesto exterior ao amor interior.
Santa Teresa dizia que, após comungar, o cristão deveria “deixar-se devorar” pelo amor de Deus, deixando que Cristo viva nele. A comunhão não é um costume, mas um encontro que transforma.
A Eucaristia é o antídoto contra a hipocrisia, pois nela aprendemos que a fé é comunhão, não aparência; é entrega, não vaidade; é amor, não ritualismo.
Queridos irmãos e irmãs,
A Palavra de hoje é um espelho em que somos convidados a olhar nossa vida à luz da verdade. São Paulo nos pede uma fé firme e sem vergonha; o salmista nos chama a contemplar Deus na criação; e Jesus nos exorta à pureza interior e à caridade.
Santa Teresa de Ávila, cuja memória hoje celebramos, resume tudo isso em sua vida e em suas palavras: “No fim, o que importa é amar.”
Se vivermos essa fé que ama, que purifica e transforma, seremos verdadeiros discípulos do Evangelho. Não precisaremos temer o julgamento de Deus, pois nosso coração será uma morada viva da sua presença.
Que a Virgem Maria, Mãe da Igreja, e Santa Teresa, mestra de oração, intercedam por nós, para que sejamos cristãos autênticos, de coração puro, firmes na fé e ricos de amor.
Amém.



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