Reconstruir, recordar e seguir | Dom Lucas Henrique Lorscheider

 


Liturgia Diária
Quarta-feira 26ª Semana do T. Comum


Amados irmãos e irmãs em Cristo,
hoje a Palavra de Deus nos convida a refletir sobre três atitudes essenciais na vida de fé: reconstruir o que foi destruído, manter viva a memória do essencial e seguir Jesus com radicalidade.

A primeira leitura, de Neemias (2,1-8), apresenta o servo de Deus que, mesmo distante de Jerusalém, não se conforma com as ruínas da cidade santa. Chora, reza e pede ao rei permissão para reconstruí-la.

O salmo 136(137) expressa a dor do povo no exílio: “Se eu me esquecer de ti, Jerusalém, que se resseque a minha mão direita!” É a saudade do lugar onde Deus se manifesta, símbolo do coração voltado para Ele.

No Evangelho de Lucas (9,57-62), vemos Jesus a caminho de Jerusalém — a nova e eterna cidade santa — convidando os discípulos a segui-lo. Mas deixa claro que o seguimento exige desapego, prontidão e decisão firme.

Neste contexto, a figura de Santa Teresa do Menino Jesus, cuja vida foi aparentemente escondida num convento, brilha como um exemplo de quem compreendeu profundamente estas três atitudes. Ela não construiu muralhas de pedra, mas reconstruiu muralhas espirituais pela confiança e pelo amor. Viveu sempre com o olhar voltado para a “Jerusalém do Céu” e seguiu Cristo com radicalidade, através da humildade e da “pequena via”.

Neemias era copeiro do rei Artaxerxes, um cargo de confiança e segurança na corte persa. Mas ao ouvir que Jerusalém estava arruinada, que suas portas haviam sido queimadas, ele se comoveu até as lágrimas. Rezou, jejuou e pediu ao rei para voltar à cidade e reconstruir as muralhas.

O gesto de Neemias revela uma verdade fundamental: a verdadeira reconstrução começa no coração, quando não somos indiferentes ao sofrimento do povo de Deus. A oração foi o primeiro passo; depois veio a ação, apoiada pela providência divina, que tocou até o coração do rei estrangeiro.

Hoje também vemos muitos “muros derrubados”: famílias divididas, jovens desorientados, comunidades feridas por conflitos, a própria fé de tantos que se esfacela diante do secularismo. Como Neemias, precisamos chorar diante das ruínas e, movidos pelo Espírito, trabalhar pela restauração.

Santa Teresinha, de seu claustro em Lisieux, não ergueu pedras nem construiu muralhas visíveis. Mas, pela oração e pelo oferecimento de seus pequenos sacrifícios, participou da reconstrução espiritual da Igreja. Ela dizia: “Compreendi que a Igreja tem um coração e que esse coração é o amor.” Reconstruir começa pelo amor: pelo coração que se compadece, intercede e age.

O exemplo de Neemias e de Teresinha nos ensina que todo cristão é chamado a ser um “reconstrutor”: no lar, na paróquia, no ambiente de trabalho, no mundo ferido pela indiferença. Começamos reconstruindo a nós mesmos pela conversão diária, depois ajudamos os outros a reencontrar a alegria da fé.

O salmo 136 nos faz ouvir a dor do povo exilado: “Às margens dos rios da Babilônia nos sentamos chorando, com saudades de Sião.” O exílio é o afastamento da cidade onde Deus habita, e, mais profundamente, é o distanciamento da própria presença de Deus.

“Se eu me esquecer de ti, Jerusalém, que se resseque a minha mão direita!” Essa súplica nos lembra que perder a memória de Deus é perder a identidade. Vivemos em um mundo que muitas vezes promove um novo exílio: o exílio espiritual, onde a fé é marginalizada, os valores do Evangelho são ridicularizados e o sentido transcendente é esquecido.

Santa Teresinha viveu a fidelidade a essa memória. Mesmo num tempo em que a França estava marcada pelo secularismo e pelo ceticismo, ela permaneceu centrada no essencial: Deus é Pai amoroso, e nossa verdadeira pátria é o Céu. Em meio a provações interiores e aridez espiritual, repetia seu ato de confiança: “Eu não posso temer um Deus que por mim se fez tão pequeno!”

Para nós, o salmo é um convite a não nos acostumarmos com o exílio espiritual do mundo moderno. Manter viva a memória de Jerusalém significa cultivar a oração, a leitura da Palavra, a participação na Eucaristia. Significa lembrar que não fomos feitos para a Babilônia do pecado, mas para a cidade santa de Deus.

O Evangelho apresenta três diálogos de Jesus com aqueles que querem ou são chamados a segui-lo. Cada diálogo mostra um aspecto da radicalidade do discipulado.

  1. O entusiasmado:
    “Eu te seguirei para onde fores.”
    Jesus responde que “o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. O entusiasmo inicial deve dar lugar à maturidade do desapego. Seguir Jesus é abraçar a pobreza evangélica, a disponibilidade, a confiança.

  2. O que pede tempo:
    “Deixa-me primeiro sepultar meu pai.”
    Jesus diz: “Deixa que os mortos sepultem os seus mortos; tu, porém, vai anunciar o Reino de Deus.”
    Isso ensina que nada pode retardar a decisão pelo Reino; o chamado de Deus exige resposta imediata.

  3. O que olha para trás:
    “Deixa-me despedir dos meus familiares.”
    Jesus afirma: “Quem põe a mão no arado e olha para trás não está apto para o Reino de Deus.”
    O discipulado requer firmeza e perseverança, sem nostalgias que paralisam.

Santa Teresinha compreendeu e viveu essa radicalidade. Quando entrou no Carmelo aos 15 anos, renunciou a muitas alegrias humanas, mas descobriu a liberdade de amar a Deus acima de tudo. Ela dizia: “Não quero ser santa pela metade. Escolho tudo.” — ou seja, escolhia amar sem reservas, sem cálculos.

Nosso tempo exige de nós a mesma clareza. Não podemos seguir Jesus pela metade, negociando valores do Evangelho com o espírito do mundo. Precisamos colocar Cristo no centro, mesmo que isso nos custe sacrifícios e incompreensões.

  1. Reconstruir as muralhas da fé e da caridade:
    Cada um de nós é chamado a ser um Neemias, olhando com compaixão para as feridas da Igreja e da sociedade. Reconstruir é cuidar da família como Igreja doméstica, promover a catequese viva, acompanhar os jovens com paciência e amor. Santa Teresinha mostra que até os menores atos, feitos com amor, edificam a Igreja.

  2. Manter viva a memória do essencial:
    Não podemos permitir que o ritmo do mundo nos faça esquecer a nossa Jerusalém, que é Cristo. Devemos viver a liturgia com fervor, redescobrir o valor da oração silenciosa, dos sacramentos, da leitura orante da Palavra. Teresinha nos ensina a manter o olhar fixo em Deus nas pequenas coisas do dia a dia.

  3. Seguir Jesus sem reservas:
    É tempo de decisão. Muitos cristãos vivem divididos entre a fé e as pressões culturais. Seguir Jesus implica escolhas concretas: viver com simplicidade, perdoar de coração, buscar a justiça, testemunhar a verdade. É o caminho estreito, mas é o caminho da vida plena.

  4. Cultivar a esperança ativa:
    Neemias não desanimou, mesmo diante dos obstáculos. Teresinha, mesmo na doença e na noite da fé, nunca deixou de confiar. Também nós, diante de crises e desafios da Igreja e da sociedade, devemos trabalhar com esperança, sem cair no desânimo.

Queridos irmãos e irmãs,
a Palavra de hoje nos convida a chorar diante das ruínas, manter a memória da Jerusalém celeste e seguir Jesus com radicalidade.

Neemias nos lembra que a oração e a ação devem andar juntas.
O salmista nos recorda que não podemos esquecer nossa verdadeira pátria.
Jesus nos chama a uma decisão firme, sem reservas nem voltas atrás.
Santa Teresinha nos ensina que tudo isso pode ser vivido na simplicidade do amor, na confiança filial e nos pequenos gestos do dia a dia.

Peçamos ao Senhor que nos conceda o espírito de Neemias para reconstruir, a fidelidade do salmista para recordar, a decisão dos discípulos para seguir, e a confiança e o amor de Santa Teresinha para viver a radicalidade do Evangelho.

Que Maria Santíssima, a humilde serva do Senhor, nos conduza pelo caminho da “pequena via”, até a Jerusalém celeste, onde todo exílio termina e onde veremos o rosto de Deus.

Amém.

 LUCAS HENRIQUE LORSCHEIDER

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