Bendito seja Deus que vive eternamente | Dom Lucas Henrique Lorscheider

 


Liturgia Diária
Quarta-feira 25ª Semana do T. Comum


Amados irmãos e irmãs em Cristo, reunidos em torno do altar do Senhor, hoje a Palavra de Deus nos apresenta um itinerário espiritual que toca profundamente a nossa vida pessoal, comunitária e missionária.

As três leituras que escutamos — de Esdras, de Tobias e do Evangelho de Lucas — formam uma unidade maravilhosa:

  1. Na primeira leitura, vemos um povo em ruínas, que experimentou o exílio, mas que é novamente levantado pela misericórdia de Deus.
  2. No cântico responsorial, vemos esse mesmo povo, agora restaurado, entoando um louvor público e missionário diante das nações.
  3. No Evangelho, contemplamos Jesus enviando os Doze em missão, pedindo-lhes confiança radical na providência e simplicidade de vida.

Podemos resumir o núcleo da Liturgia da Palavra de hoje em três palavras: reconstrução, louvor e missão.

O Senhor nos convida a olhar para a nossa vida com esses três movimentos: reconhecer onde Ele nos levantou, cantar as maravilhas que Ele realizou, e depois anunciar com coragem o Seu Reino.

A cena da primeira leitura é comovente. Esdras, sacerdote e escriba, está diante de Deus em atitude penitencial: rasga as vestes, dobra os joelhos, levanta as mãos e ora. Ele reconhece que o povo de Israel tinha pecado, tinha falhado em sua aliança com o Senhor, e por isso experimentou o castigo do exílio na Babilônia.

No entanto, a oração não é apenas confissão de culpa. É, sobretudo, reconhecimento da fidelidade de Deus:

“Fomos escravizados, mas o nosso Deus não nos abandonou em nossa servidão; fez-nos encontrar benevolência diante dos reis da Pérsia, deu-nos novo alento para erguer o templo de nosso Deus e restaurar suas ruínas.”

Esdras mostra que, mesmo quando o povo falha, Deus permanece fiel. O exílio não foi o fim da história; ao contrário, tornou-se ocasião de experimentar a misericórdia.

Aqui aprendemos que a lógica de Deus é diferente da lógica humana. O homem, muitas vezes, diante da infidelidade do outro, rompe relações. Deus, ao contrário, corrige, educa, mas nunca abandona. Sua fidelidade é maior que nossas quedas.

Aplicação atual: quantos hoje vivem exílios interiores! Há pessoas que perderam a fé, famílias divididas, jovens escravizados por vícios, adultos marcados por frustrações. E muitos se sentem abandonados, como se Deus tivesse virado as costas. A Palavra de hoje garante: não estamos sozinhos. Mesmo em meio ao exílio, o Senhor prepara a reconstrução.

Se Esdras mostra a restauração, Tobias nos ensina a resposta correta a essa graça: o louvor.

O cântico é um hino de gratidão:

“Bendito seja Deus que vive eternamente! Porque Ele castiga e tem compaixão, conduz à mansão dos mortos e reconduz da grande perdição.”

O que impressiona nesse louvor é sua universalidade. Tobias não canta apenas para si; convida todo o povo e até as nações a bendizerem o Senhor:

“Filhos de Israel, bendizei-o diante das nações, porque Ele nos dispersou no meio delas e dali nos mostrou a sua grandeza.”

O louvor aqui tem duas dimensões:

  1. Memorial: reconhece a história de salvação, com suas dores e consolações.
  2. Missionária: proclama diante dos outros a grandeza de Deus.

Esse é um ponto muito importante: o louvor autêntico não é intimista. Ele se transforma em testemunho. Quem de fato experimentou a bondade de Deus não pode calar; precisa anunciar aos outros o que o Senhor fez.

Aplicação atual: nossa sociedade se acostumou a reclamar. Somos rápidos em criticar, mas lentos em agradecer. O convite do salmo é uma verdadeira conversão cultural: ser homens e mulheres do louvor. Não apenas louvar em orações pessoais, mas testemunhar diante do mundo: “O Senhor agiu na minha vida, Ele me levantou.”

É isso que evangeliza: não apenas discursos teóricos, mas vidas transformadas que se tornam cânticos vivos da misericórdia de Deus.

No Evangelho, vemos o terceiro passo: Jesus envia os Doze em missão.

Há aqui três aspectos fundamentais:

a) A missão nasce de Cristo

O texto começa dizendo: “Jesus convocou os Doze e deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demônios e para curar doenças.” A missão não nasce da iniciativa humana, mas do chamado de Jesus. Não somos nós que escolhemos ser missionários; é Cristo quem nos chama, nos capacita e nos envia.

b) Uma missão de poder espiritual

Jesus não envia apenas para falar palavras bonitas. Ele dá autoridade espiritual: poder de expulsar demônios e curar doenças. Isso mostra que a missão da Igreja não é apenas doutrinal ou moral, mas é salvífica e libertadora. Onde o Evangelho chega, o mal recua, as feridas são curadas, a vida é restaurada.

c) Uma missão de pobreza e confiança

O detalhe mais radical: “Não leveis nada para o caminho: nem cajado, nem sacola, nem pão, nem dinheiro, nem mesmo duas túnicas.” Jesus quer que Seus discípulos vivam a missão na total confiança em Deus. A pobreza evangélica não é miséria, mas liberdade. Quem não carrega pesos desnecessários pode andar mais leve e mais longe.

Esse ensinamento é extremamente atual. Vivemos em um mundo que valoriza seguranças humanas: dinheiro, recursos, técnicas, estratégias. Jesus nos recorda que o verdadeiro poder da Igreja não está em meios materiais, mas na confiança absoluta em Deus e na força da Sua Palavra.

Se olharmos juntas as três leituras, vemos um caminho espiritual belíssimo:

  1. Esdras: Deus restaura o Seu povo.
  2. Tobias: O povo responde com louvor público e missionário.
  3. Lucas: Jesus envia em missão, confiando na providência divina.

É sempre assim: graça recebida, gratidão vivida, missão assumida.

Esse é também o itinerário da nossa vida cristã: fomos resgatados por Cristo, cantamos as maravilhas que Ele realizou, e somos enviados a anunciar aos outros a Boa Nova.

Aplicação prática

a) Na vida pessoal

Cada um é convidado a reconhecer onde Deus já o resgatou. Talvez você viva um tempo de exílio: pecados, dores, decepções. A Palavra garante: Deus pode reconstruir. Faça memória das vezes em que Ele já lhe deu novo alento.

b) Na comunidade

Muitas de nossas comunidades vivem crises: falta de fé, divisões, desânimo. Hoje o Senhor nos pede para não ficarmos apenas olhando os escombros. É hora de louvar pelo que já foi reconstruído e sair em missão. O testemunho de uma comunidade que confia na providência é muito mais eficaz do que qualquer propaganda.

c) No mundo atual

Vivemos em tempos de relativismo e materialismo, onde muitos só confiam na ciência ou no dinheiro. O Evangelho é contracultural: “Não leveis nada...” Ele nos lembra que a verdadeira força da Igreja está no Evangelho, na Eucaristia, na oração, na autoridade espiritual que vem de Cristo.

Há também uma dimensão trinitária nessas leituras:

  • O Pai: em Esdras, vemos a fidelidade do Pai que nunca abandona.
  • O Filho: em Lucas, Jesus envia os discípulos e dá autoridade.
  • O Espírito Santo: em Tobias, inspira o louvor e o testemunho.

Assim, a missão da Igreja é reflexo da vida da Santíssima Trindade: o Pai restaura, o Filho envia, o Espírito move o louvor.

E há também uma dimensão eclesiológica: os Doze enviados representam a Igreja nascente, chamada a ser missionária, confiante, pobre e livre. Hoje, cada batizado é chamado a viver isso.

Caríssimos, a Palavra de hoje nos pede três atitudes concretas:

  1. Reconhecer o amor fiel de Deus que nos restaura em nossos exílios.
  2. Louvar publicamente, transformando nossa vida em testemunho alegre.
  3. Anunciar o Evangelho com confiança radical na providência, sem depender de seguranças humanas.

Se vivermos isso, seremos uma Igreja viva, agradecida e missionária.

Peçamos hoje a graça de Esdras, que reconheceu a fidelidade de Deus em meio às ruínas; a graça de Tobias, que cantou publicamente as maravilhas do Senhor; e a graça dos Apóstolos, que partiram em missão sem nada levar, confiando apenas na força de Cristo.

Que Nossa Senhora, a Virgem fiel, primeira discípula missionária, nos ajude a viver esse itinerário: acolher a graça, cantar as maravilhas e anunciar o Reino com coragem.

Amém.

 LUCAS HENRIQUE LORSCHEIDER

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