Escola da oração: aprender com Jesus, Maria e os santos | Dom Lucas Henrique Lorscheider

 


Liturgia Diária
Quarta-feira 27ª Semana do T. Comum
São João XXIII, Memória


Caríssimos irmãos e irmãs em Cristo,

Reunidos para escutar a Palavra de Deus e celebrar a Eucaristia, somos convidados hoje a entrar profundamente na escola da oração e da misericórdia divina. O Senhor nos fala por meio de três textos luminosos: a experiência dramática do profeta Jonas, a súplica confiante do Salmo 85 e a lição de Jesus aos seus discípulos no Evangelho, ensinando-lhes a rezar o Pai-Nosso.

Esta liturgia, iluminada ainda pela memória de São João XXIII, nos ajuda a compreender que a verdadeira grandeza do cristão consiste em unir o coração à misericórdia de Deus e aprender a viver como filhos que confiam no Pai.

A história de Jonas é fascinante porque mostra as tensões do coração humano diante da bondade infinita de Deus. Depois de anunciar a destruição de Nínive, Jonas fica irritado ao ver que a cidade se converte e que Deus suspende o castigo. O profeta protesta:

“Ah, Senhor! Eu sabia que és um Deus clemente e misericordioso, paciente e cheio de bondade…” (Jn 4,2)

Essa reação revela um drama espiritual: Jonas prefere a justiça retributiva, a punição do inimigo, enquanto Deus prefere a vida, o perdão, a salvação. Jonas senta-se fora da cidade, esperando ver a catástrofe que não acontece. Deus lhe dá uma lição usando uma planta que nasce para lhe dar sombra e depois seca. Assim, mostra-lhe que a vida de uma cidade inteira, com milhares de pessoas e animais, não pode ser tratada com indiferença.

O centro teológico deste texto é a misericórdia de Deus. Deus não é conivente com o pecado, mas não deseja a morte do pecador, e sim a sua conversão (cf. Ez 18,23). O episódio denuncia a tentação permanente de querer um Deus à nossa imagem, que confirme os nossos rancores e preconceitos, em vez de nos convertermos à sua compaixão.

O salmista nos coloca na atitude correta diante de Deus: a humildade e a confiança. “Inclina, Senhor, teu ouvido, escuta-me, porque sou pobre e necessitado” (Sl 85,1). Reconhecer-se necessitado é o primeiro passo para a oração autêntica. O salmo destaca também a bondade de Deus: “Tu és bom e clemente, cheio de misericórdia para os que te invocam” (Sl 85,5).

A oração que brota de um coração humilde e contrito atrai a misericórdia do Senhor. Isso contrasta com a postura de Jonas, que reza não para pedir misericórdia, mas para reclamar da misericórdia concedida a outros. Aqui, o salmo nos ensina a alinhar nosso coração com o coração compassivo de Deus.

No Evangelho, os discípulos, vendo Jesus em oração, pedem que os ensine a rezar. O pedido revela que a oração não é apenas natural, mas precisa ser aprendida à luz da experiência de Jesus. Ele lhes dá a oração do Pai-Nosso, que é ao mesmo tempo escola de fé, de esperança e de caridade.

a) “Pai”

A primeira palavra já indica a novidade radical: somos filhos e podemos chamar Deus de Pai. A oração cristã nasce da fé no amor paterno de Deus e da adoção filial que recebemos em Cristo.

b) “Santificado seja o teu nome”

O centro da vida cristã não é a busca de nossos interesses, mas a glória de Deus. A santidade do nome de Deus se manifesta quando vivemos de modo que Ele seja conhecido e amado.

c) “Venha o teu Reino”

É o clamor escatológico e missionário. Pedir pelo Reino é desejar que o mundo inteiro se abra à graça redentora e viva segundo a justiça, a paz e o amor de Deus.

d) “Dá-nos hoje o pão cotidiano”

A oração cristã é concreta: apresenta as necessidades materiais e espirituais. O “pão” remete ao sustento diário e, no horizonte da fé, também ao Pão da vida, a Eucaristia.

e) “Perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos”

Aqui, a oração se torna compromisso. Não podemos pedir perdão sem nos dispormos a perdoar. A oração transforma o coração endurecido e abre-o para a reconciliação.

f) “Não nos deixes cair em tentação”

A oração conclui reconhecendo a fragilidade humana e suplicando a graça da perseverança. Sozinhos não resistimos ao mal, mas com a força de Deus podemos permanecer firmes.

As leituras de hoje, postas lado a lado, colocam diante de nós uma tensão sempre presente na vida de fé: o desejo de justiça e a exigência da misericórdia. Jonas representa a lógica humana da retaliação; Jesus, a lógica divina da misericórdia. O Pai-Nosso nos ensina que só encontraremos paz quando vivermos reconciliados com Deus e com os irmãos.

Na sociedade atual, marcada por polarizações, cancelamentos e rancores, a Palavra de Deus nos desafia a deixar de lado a vingança e a confiar no perdão. O mundo tem sede de misericórdia, mas muitas vezes os próprios cristãos hesitam em oferecê-la.

As aplicações em nossa vida

  1. No plano pessoal:
    A oração do Pai-Nosso nos convida a revisar a nossa própria relação com Deus: é filial e confiante ou é marcada pelo medo e pela desconfiança? Somos capazes de nos alegrar quando Deus mostra misericórdia a quem nos ofendeu, ou somos como Jonas, que preferiria ver o inimigo castigado?

  2. Na família:
    As famílias cristãs precisam reaprender a rezar juntas. A oração, sobretudo a do Pai-Nosso e a do Rosário, une os corações, gera reconciliação e educa para a paciência e a partilha.

  3. Na vida social:
    Em tempos de intolerância e violência, o Evangelho pede que sejamos testemunhas de perdão e de diálogo. A justiça é necessária, mas precisa ser iluminada pela misericórdia, senão se torna vingança.

  4. Na Igreja:
    A comunidade cristã deve ser uma casa de oração e de acolhida para todos, inclusive para os que chegam feridos pela vida e marcados pelo pecado. A evangelização só é eficaz quando nasce da oração e é sustentada pela caridade.

Hoje a Igreja também celebra São João XXIII, o “Papa Bom”, homem de oração e de bondade. Foi ele quem convocou o Concílio Vaticano II, movido pelo desejo de abrir as janelas da Igreja para que o mundo respirasse o ar fresco do Evangelho. A sua vida nos lembra que as grandes mudanças na Igreja não vêm de projetos meramente humanos, mas da docilidade ao Espírito Santo, cultivada na oração humilde.

João XXIII tinha uma profunda confiança na misericórdia de Deus. Costumava dizer, ao deitar-se: “Senhor, é a tua Igreja; eu vou dormir”. Essa simplicidade e essa confiança filial são lições práticas para nós. Em meio às lutas e incertezas, podemos descansar na providência do Pai.

A oração não é um peso, mas um dom que se aprende pela prática fiel. Jesus é o primeiro Mestre; Maria, que “guardava todas as coisas no coração” (Lc 2,19), é modelo de oração contemplativa; e os santos, como João XXIII, são testemunhas de que a oração transforma pessoas e histórias.

É preciso recuperar hábitos simples e profundos: meditar a Palavra de Deus diariamente, participar assiduamente da Eucaristia, reservar tempos de silêncio, rezar o Rosário, buscar a confissão frequente. Tudo isso molda o coração segundo o Coração de Cristo.

Vivemos numa cultura de pressa e dispersão. Muitos cristãos dizem não ter tempo para rezar. No entanto, é justamente nesse mundo agitado que a oração se torna mais urgente. Sem ela, a fé se enfraquece, as decisões se tornam precipitadas e as relações se endurecem.

O Pai-Nosso, rezado com atenção e fé, é um remédio contra a ansiedade: lembra-nos que Deus cuida de nós, que podemos confiar-Lhe as nossas necessidades e que não estamos sozinhos.

Queridos irmãos e irmãs, a Palavra de Deus de hoje nos convida a uma dupla conversão:

  1. Converter-nos à oração: como os discípulos, precisamos pedir a Jesus: “Senhor, ensina-nos a rezar”.
  2. Converter-nos à misericórdia: como Jonas, precisamos abandonar os ressentimentos e deixar que o Espírito Santo molde em nós um coração semelhante ao de Cristo.

A memória de São João XXIII reforça essa chamada: ser cristão é viver na paz do coração, na confiança filial e na caridade universal.

Rezemos, portanto, com as palavras do salmista:
“Mostra-me, Senhor, o teu caminho, e caminharei na tua verdade; inclina o meu coração para temer o teu nome” (Sl 85,11).

Que, sustentados pela oração do Pai-Nosso e pelo exemplo de tantos santos, possamos ser, no mundo de hoje, instrumentos da misericórdia do Pai e testemunhas de que a oração transforma a história.

Amém.

 LUCAS HENRIQUE LORSCHEIDER

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