A fidelidade a Deus nunca é inútil | Dom Lucas Henrique Lorscheider

 


Liturgia Diária
Quinta-feira 27ª Semana do T. Comum
Santa Faustina Kowalska, Memória


Queridos irmãos e irmãs em Cristo,

A liturgia de hoje nos coloca diante de um tema que atravessa toda a Escritura: a confiança em Deus, que se manifesta na perseverança da oração e na fé de que Ele é justo e misericordioso. As leituras nos interpelam profundamente: Malaquias nos recorda que Deus distingue o justo do ímpio e não deixa sem resposta a fidelidade daqueles que O temem; o salmo nos mostra o caminho da bem-aventurança; e o Evangelho nos convida a rezar sem desanimar, com a confiança de que o Pai do céu sabe dar coisas boas aos seus filhos.

Celebramos também hoje a memória de Santa Faustina Kowalska, a apóstola da Divina Misericórdia. A sua vida é um testemunho luminoso daquilo que o Evangelho nos ensina: perseverar na oração e confiar totalmente na bondade de Deus.

Esta Palavra é profundamente atual, porque vivemos num tempo em que muitos se perguntam: “Vale a pena ser fiel a Deus? Vale a pena rezar? Por que os maus parecem prosperar enquanto os que buscam a Deus sofrem?” A Palavra de hoje nos dá a resposta: a felicidade verdadeira está em confiar no Senhor.

O profeta Malaquias, que escreve já na época pós-exílica, dirige-se a um povo desanimado. Muitos israelitas, voltados do exílio, percebem que a vida continua difícil, que a reconstrução é lenta, e que os injustos parecem viver melhor. Então murmuram contra Deus:

“É inútil servir a Deus! Que ganhamos em guardar seus mandamentos?” (Ml 3,14)

Quantas vezes essa mesma tentação nos visita! Diante do sofrimento, diante das dificuldades econômicas, da violência ou das provações familiares, brota no coração a dúvida: “Por que Deus permite isso?” É o drama da fé.

Malaquias responde lembrando que Deus é justo e vê o coração de cada um. Diante Dele, há um “livro de memória” no qual estão escritos os nomes dos que O temem e honram o seu nome. Para esses, diz o Senhor, “nascerá o sol da justiça, trazendo a salvação em suas asas” (Ml 3,20).

Aqui está a chave da esperança: a fidelidade a Deus nunca é inútil. A aparente vantagem do ímpio é passageira; a recompensa do justo é eterna. Deus não esquece aqueles que O servem com um coração sincero.

O salmo responsorial ecoa a mensagem de Malaquias: existem dois caminhos diante de cada pessoa — o caminho do justo e o caminho do ímpio.

“É feliz quem não anda conforme o conselho dos perversos... mas se compraz na lei do Senhor” (Sl 1,1-2).

A felicidade, segundo a Bíblia, não é ausência de problemas, mas viver enraizado em Deus, como árvore plantada junto às águas. Quem confia no Senhor, mesmo em meio às provações, permanece fecundo e seguro.

O ímpio, ao contrário, é como a palha que o vento dispersa: não tem consistência, porque constrói a vida sobre a areia do egoísmo e da autossuficiência.

Este salmo nos convida a perguntar: em que temos colocado a nossa confiança? Em nossas forças, nos bens, na aparência, ou na Palavra de Deus que permanece para sempre?

Jesus, após ensinar o Pai-Nosso, conta uma parábola para explicar a necessidade da perseverança na oração: um homem pede pão ao amigo no meio da noite e, mesmo que o outro não queira se levantar, acaba cedendo por causa da insistência. E Jesus conclui:

“Pedi e recebereis; buscai e encontrareis; batei e vos será aberto” (Lc 11,9).

O Senhor reforça que Deus é Pai e não engana seus filhos: “Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do céu dará o Espírito Santo àqueles que o pedirem” (Lc 11,13).

A oração cristã, portanto, não é um ritual mágico para obter favores, mas um diálogo filial que nos conforma ao coração de Deus e nos abre ao dom maior: o Espírito Santo, fonte de todo bem.

A liturgia de hoje nos ajuda a compreender três dimensões fundamentais da oração:

  1. A fé na bondade de Deus: rezamos porque acreditamos que Deus nos ama e nos escuta.
  2. A perseverança: a oração não é apenas um ato isolado, mas um hábito que alimenta a esperança.
  3. A conformidade com a vontade divina: quando pedimos, não obrigamos Deus a fazer nossa vontade, mas nos dispomos a acolher a sua.

Santa Faustina escreveu em seu Diário: “A confiança é a essência da devoção à Divina Misericórdia”. Esta frase resume o Evangelho de hoje: confiar como filhos que sabem que o Pai só dá o que é para o nosso bem.

Como Jonas, de quem ouvimos ontem na liturgia, também o povo do tempo de Malaquias, e muitas vezes nós mesmos, ficamos perturbados ao ver a prosperidade dos maus. Parece que Deus é indiferente. Mas a Palavra revela que a justiça de Deus não é vingativa, e sim salvífica: Ele concede tempo para a conversão.

Jesus nos convida a superar a visão imediatista e a rezar com fé madura. Às vezes, pedimos algo a Deus e não recebemos do modo que esperávamos. Isso não significa que Ele não nos ouviu, mas que tem algo melhor a nos oferecer: o dom do Espírito, a graça de suportar as provações com paz, a capacidade de amar os inimigos, a esperança que não decepciona.

A Palavra de hoje ilumina várias dimensões da nossa vida pessoal e comunitária.

a) Na vida pessoal

A perseverança na oração é uma necessidade. Muitos cristãos rezam apenas em momentos de necessidade ou de desespero. Jesus nos chama a manter um relacionamento constante com o Pai, como filhos que confiam mesmo quando não entendem os caminhos de Deus.

Perguntemo-nos: temos um tempo diário para a oração pessoal? Rezamos com a Palavra de Deus, ou apenas repetimos pedidos? Confiamos que Deus sabe o que é melhor para nós?

b) Na família

As famílias cristãs precisam redescobrir a oração conjunta: rezar o Pai-Nosso, o Rosário, ler juntos a Bíblia. A oração é o cimento que fortalece a unidade familiar e a protege contra as tempestades do mundo.

c) Na sociedade

Vivemos em uma cultura que valoriza o sucesso imediato, o consumo, a autopromoção. Por isso, muitos desanimam quando veem os corruptos e violentos aparentemente triunfarem. A liturgia de hoje lembra que o caminho do justo é firme e que a vitória do mal é apenas aparente.

Oração, justiça e misericórdia são virtudes transformadoras que podem humanizar a política, a economia e a convivência social.

d) Na Igreja

A Igreja é chamada a ser escola de oração e de esperança. Numa época de polarizações e divisões, a oração comum nos reconcilia e nos torna instrumentos da paz de Cristo.

Celebrar Santa Faustina no contexto desta liturgia é providencial. Ela viveu em tempos difíceis — guerras, ideologias totalitárias, sofrimento humano — e, no entanto, conservou uma fé simples e inabalável na misericórdia de Deus.

Jesus revelou a ela que a salvação do mundo passa pela confiança e pela súplica perseverante da misericórdia divina. O Terço da Misericórdia é, em essência, um eco do Evangelho de hoje: pedir, buscar e bater à porta do Coração de Cristo para que o mundo inteiro receba a graça.

Faustina sofreu incompreensões, mas perseverou. A sua vida mostra que a oração não nos afasta dos problemas, mas nos dá luz e força para enfrentá-los com caridade e paz.

A sociedade contemporânea está marcada por pressa, ansiedade e autossuficiência. Muitos acreditam que a oração é perda de tempo, porque confiam apenas na técnica, na política ou na ciência. Contudo, sem oração, a vida perde o horizonte da eternidade e da gratuidade.

A oração perseverante nos torna humildes, porque reconhecemos que não somos deuses, mas filhos necessitados do Pai. E nos torna compassivos, porque quem experimenta a misericórdia de Deus aprende a ser misericordioso com os outros.

Estamos num tempo em que a Igreja é chamada a caminhar em sinodalidade, ou seja, na escuta do Espírito. Sem oração, não há discernimento; sem confiança, não há coragem de seguir os caminhos novos do Evangelho.

O Pai-Nosso é a oração de todos os discípulos. Nele encontramos a síntese da missão da Igreja: glorificar o Pai, implorar a vinda do seu Reino, viver a fraternidade, partilhar o pão, perdoar e buscar a libertação do mal.

Queridos irmãos e irmãs, a liturgia de hoje nos convida a três atitudes essenciais:

  1. Confiar na justiça de Deus: mesmo quando parece tardar, ela é certa e redentora.
  2. Perseverar na oração: como filhos que batem à porta do Pai, sem desanimar.
  3. Testemunhar a misericórdia: aprender de Deus a ser paciente e compassivo.

Rezemos com Santa Faustina: “Jesus, eu confio em Vós!”
E, iluminados pela Palavra, busquemos viver a sabedoria do salmo: “É feliz quem a Deus se confia!”

Que o Senhor nos dê a graça de, sustentados pela oração perseverante e pela confiança filial, sermos testemunhas vivas do seu amor neste mundo sedento de esperança.

Amém.

 LUCAS HENRIQUE LORSCHEIDER


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